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segunda-feira, 20 de agosto de 2018

O caso Lula vs. Brasil, por Vladimir Aras

O caso Lula vs. Brasil, por Vladimir Aras:

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por Vladimir Aras



Uma decisão do Comitê de Direitos Humanos do Pacto Interncional de Direitos Civis e Políticos (PIDCP), com sede em Genebra, em favor do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, introduziu um debate inédito na eleição brasileira: um órgão internacional pode “interferir” no processo eleitoral?



A Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 135/2010), sancionada pelo próprio ex-presidente Lula em 2010, seria compatível com os direitos políticos previstos no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966?



O Brasil é Estado parte da convenção e deve observá-la. Porém, há incompatibilidade?



Há uma série de pontos a esclarecer. Tento a seguir dar uma pequena contribuição como professor de processo penal e de direito internacional. É um debate intrigante, muito importante para o processo democrático e para a exata compreensão das interações entre o direito internacional e o direito interno.



comunicado divulgado pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos resume a decisão do Comitê de Direitos Humanos do PIDCP:



The UN Human Rights Committee has requested Brazil to take all necessary measures to ensure that Lula can enjoy and exercise his political rights while in prison, as candidate in the 2018 presidential elections. This includes having appropriate access to the media and members of his political party. The Committee also requested Brazil not to prevent him from standing for election in the 2018 presidential elections, until his appeals before the courts have been completed in fair judicial proceedings. The technical name for this request is “interim measures” and these relate to his pending individual complaint which remains before the Committee. This request does not mean that the Committee has found a violation yet – it is an urgent measure to preserve Lula’s right, pending the case consideration on the merits, which will take place next year.
Há dois temas fundamentais em foco:



a) a legitimidade da execução penal (“provisória”) da sentença penal condenatória, que decorre da orientação adotada pelo STF em 2016 (STF, Pleno, HC 126.292/SP, rel. min. Teori Zavascki, j. em 17/02/2016); e



b) a inelegibilidade de candidatos condenados criminalmente ou por improbidade administrativa em segundo grau (órgão colegiado), devido à Lei da Ficha Limpa (2010).



Separei uma dezena de questões para a discussão.




1. A comunicação (petição) de Lula ao Comitê de Direitos Humanos do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (PIDCP)



Os Estados Partes do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966 (PIDCP) e do Protocolo Facultativo do mesmo ano (PF/PIDCP) reconhecem que ao Comitê de Direitos Humanos compete examinar comunicações firmadas por indivíduos sujeitos à sua jurisdição que aleguem ser vítimas de violação, por esses Estados Partes, de qualquer dos direitos enunciados no PIDCP.



Entre esses direitos estão o direito à vida, à propriedade, à intimidade, ao devido processo legal, à liberdade religiosa, à liberdade de associação, à liberdade de expressão e os direitos políticos de votar e ser votado.



O peticionante alegou que seus direitos políticos no processo eleitoral de 2018 estariam sendo violados pela Justiça Eleitoral brasileira.



A decisão, em caráter liminar, do Comitê de Direitos Humanos teria sido tomada por dois relatores especiais para medidas cautelares, os professores Sarah Cleveland, da Universidade de Colúmbia, em Nova Iorque, indicada pelos Estados Unidos da América; e pelo professor Olivier de Frouville, da Universidade Panthéon-Assas (Paris II), indicado pela República Francesa. Ambos são membros do Comitê de Direitos Humanos, que tem sede em Genebra, faz parte da estrutura do Pacto Internacional e tem 18 membros.



Depois da expedição da medida cautelar (interim measure), o Comitê deverá decidir sobre a admissibilidade da comunicação (petição) do ex-presidente Lula e seu mérito (isto é, se procedem ou não suas alegações). Decisões cautelares são expedidas em situações de urgência para evitar o perecimento de direitos.



Quando do exame do mérito têm de estar provados o esgotamento dos recursos internos e a ocorrência de violação em concreto de um dos direitos civis e políticos previstos no Pacto Internacional, o que ainda não ocorreu.




2. A convencionalidade da Lei da Ficha Limpa



Posta em confronto com o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (PIDCP) e com a Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), a Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 135/2010) seria inconvencional e, portanto, inválida?



Desde o julgamento do recurso extraordinário sobre a prisão civil por dívida (STF, Pleno, RE 466.343/SP, rel. min. Cezar Peluso, j. em 03/12/2008), o STF confere caráter infraconstitucional, mas supralegal, à CADH, de 1969. Sendo assim, este tratado e, por extensão, o PIDCP, tem hierarquia superior à das leis federais ordinárias e das leis complementares, inclusive a Lei da Ficha Limpa.



Contudo, à luz da CADH, a Lei Complementar 135/2010, que alterou a Lei de Inelegibilidades (Lei 64/1990), não viola os direitos políticos inseridos na Convenção Americana, dada a exceção prevista na parte final do seu art. 23.2:



“2. A lei pode regular o exercício dos direitos e oportunidades a que se refere o inciso anterior, exclusivamente por motivos de idade, nacionalidade, residência, idioma, instrução, capacidade civil ou mental, ou condenação, por juiz competente, em processo penal.”
Assim, qualquer pessoa que tenha sido condenada em um processo penal, pelo juiz competente, poderá ter seus direitos políticos suspensos, o que inclui os direitos de votar e ser votado. Uma das hipótese de incidência da Lei da Ficha Limpa é justamente a existência de decisão condenatória proferida por órgão judicial colegiado (art. 1, inciso I, letra “e”, da Lei Complementar 64/1990).



Já a relação da Lei da Ficha Limpa (LFL) com o PIDCP tem de ser encarada na forma do art. 25.b desse segundo tratado, que é de 1966:



“Todo cidadão terá o direito e a possibilidade, sem qualquer das formas de discriminação mencionadas no artigo 2 e sem restrições infundadas:

(…)

b) de votar e de ser eleito em eleições periódicas, autênticas, realizadas por sufrágio universal e igualitário e por voto secreto, que garantam a manifestação da vontade dos eleitores”.
As restrições impostas pela LFL à elegibilidade de todo e qualquer potencial candidato seriam “discriminatórias” ou “infundadas” à luz do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos?



Se o fossem, Lei da Ficha Limpa teria de ser declarada inconvencional, isto é, incompatível com o PIDCP. Se as restrições que dela derivam forem legítimas e justificáveis, como o são, porque previstas na Constituição e na leis processuais, esta lei complementar não se choca com direitos e garantias individuais previstos no Pacto.



A declaração de constitucionalidade da LFL, já realizada pelo STF nas ADCs 29 e 30 e na ADI 4578 (STF, Pleno, rel. min. Luiz Fux, j. em 16/02/2012), não supre a dúvida quanto à sua convencionalidade, porque o raciocínio jurídico aqui exigido é de adequação ao tratado, e não apenas à Constituição.



Porém, na minha compreensão, a LFL é tanto constitucional – como já o disse o STF – quanto convencional, pelas razões que podem ser lidas nos artigos 23 e 25 dos tratados de direitos humanos relevantes, a CADH e o PIDCP.



Note-se que a Lei da Ficha Limpa não tem nada a ver com a execução penal provisória da sentença penal condenatória após o duplo grau. A possibilidade de prisão imediata  de pessoas condenadas em segundo grau decorre do precedente firmado pelo STF em 2016, no HC 126.292/SP (STF, Pleno, rel. min. Teori Zavascki, j. em 17/02/2016). Sancionada em 2010, a Lei da Ficha Limpa trata de inelegibilidades.



A Lei da Ficha Limpa é norma autônoma, não penal, de natureza eleitoral para fins de aferição de (in)elegibilidade, e não se presta a justificar a antecipação de execução penal. É uma lei anticorrupção e pró-integridade em sentido amplo, que impede a participação de candidatos na disputa eleitoral, aplicando-se a qualquer candidato, não importando se está livre ou se está preso.



Políticos presos que não se enquadrem na Lei da Ficha Limpa podem concorrer às eleições. Políticos soltos que se encaixem na hipóteses legais serão barrados.



Assim, os seus efeitos não podem ser afastados quando presente uma condenação válida proferida por órgão colegiado, com o que a inelegibilidade de cidadãos condenados se mantém.




3. Direitos políticos podem ser suspensos pelo Judiciário?



Podem. Segundo o art. 15, incisos III e V, da Constituição de 1988, pessoas condenadas criminalmente ou por improbidade administrativa podem ter os seus direitos políticos suspensos, o que abrange os direitos de votar e ser votado.



Por sua vez, o art. 12 da Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/1992) prevê a suspensão de direitos políticos entre 3 e 10 anos, como sanção civil decorrente de ato ímprobo.



Por fim, como já visto, a Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 135/2010) considera inelegível o cidadão que tenha incorrido nas várias hipóteses que lista, entre elas a condenação criminal ou a condenação por ato de improbidade proferida por órgão colegiado (art. 1º, I, “e” e “l”, da Lei Complementar 64/1990).



Mas a questão do exercício de direitos políticos por condenados não é simples. A Corte Europeia de Direitos Humanos decidiu em 2005, no caso Hirst (2) vs. Reino Unido, que viola o art. 3º do Protocolo n. 1 à Convenção Europeia de Direitos Humanos a regra britânica de suspensão generalizada do direito político ao voto por qualquer condenado.



Em Hirst (2) vs UK, o cidadão peticionante havia sido condenado por homicídio e perdeu o direito de votar, com base no art. 3º da Lei de Representação Popular (Representation of the People Act) de 1983, que se aplica a condenados cumprindo pena em regime celular.



Hirst alegou a inconvencionalidade do blanket ban sobre o direito de voto. A Corte Europeia, sediada em Estrasburgo, decidiu haver ofensa ao art. 3 (right to free elections) do Protocolo 1 à Convenção Europeia de Direitos Humanos, devido à restrição automática e geral ao direito de voto decorrente apenas do status de condenado.



No continente americano, restrições injustificadas aos direitos políticos de cidadãos dos Estados Partes da Convenção de 1966 tem sido sancionadas. No caso López Mendoza vs. Venezuela (2011), a Corte IDH decidiu haver ofensa ao art. 23.2 da Convenção Americana de Direitos Humanos, porque a inelegibilidade de Mendoza, candidato às eleições regionais de 2008, fora ditada por um órgão administrativo da República Bolivariana da Venezuela, a Controladoria Geral da República.




4. O que é o Comitê de Direitos Humanos (CDH) do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (PIDCP)?



Há uma série de comissões e comitês especializados que formam os sistemas interamericano e internacional de direitos humanos. Tais colegiados funcionam como órgãos de fiscalização de cumprimento de tratados pelos Estados partes (treaty bodies). Servem também como mecanismos de implementação das garantias individuais previstas nos tratados que os constituem.



O Comitê de Direitos Humanos (Human Rights Committee) do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (PIDCPP) é um órgão oficial do tratado de 1966, cujos arts. 28 a 39 cuidam de sua constituição. O CDH/PIDCP não se confunde com o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (United Nations Human Rights Council – UNHRC), que é órgão vinculado à Assembleia Geral da ONU, nem com o Office of the United Nations High Commissioner for Human Rights (OHCHR) – Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), cujo posto será ocupado pela ex-presidente chilena Michele Bachelet por um mandato de 4 anos, a partir de 31 de agosto.



Tal Comitê é um dos vários órgãos de direitos humanos do sistema das Nações Unidas. Criado pelo art. 28 do PIDCP de 1966, o CDH é composto de 18 membros, escolhidos entre nacionais dos Estados Partes do Pacto, os quais devem ter elevada reputação moral e reconhecida competência em direitos humanos.



Os membros do Comitê são eleitos pelos Estados Partes e o colegiado não pode ter mais de um nacional de um mesmo Estado. Além disso, deve haver “distribuição geográfica equitativa e uma representação das diversas formas de civilização, bem como dos principais sistemas jurídicos”.



O mandato dos membros do Comitê é de 4 anos e, antes da posse, para afiançar sua imparcialidade, o eleito deve prestar o seguinte compromisso em sessão pública, conforme o art. 16 do seu Regulamento: “I solemnly undertake to discharge my duties as a member of the Human Rights Committee impartially and conscientiously.” (Rule 16).



Os atuais membros do Comitê de Direitos Humanos do Pacto são nacionais da África do Sul, Alemanha, Canadá, Egito, Estados Unidos, França, Grécia, Israel, Itália, Japão, Letônia, Mauritânia, Montenegro, Paraguai, Portugal, Suriname, Tunísia e Uganda.



The UN Human Rights Committee meets in the Human Rights and Alliance of Civilizations Room in the Palace of Nations in Geneva.
















Sala “Human Rights and Alliance of Civilizations” do Palácio das Nações em Genebra.








5. A decisão do Comitê é uma ingerência indevida em assuntos internos?



O Brasil é Estado Parte do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, tratado internacional que tem vigência interna desde os anos 1990. O texto foi promulgado pelo presidente (eleito) Fernando Collor de Mello, mediante o Decreto 592/1992, aprovado pelo Congresso Nacional.



Ao ratificar o tratado, o Brasil se comprometeu voluntariamente perante a comunidade internacional e a seus próprios cidadãos a respeitar os direitos individuais, civis e políticos que constam do tratado, concluído em 1966.



Posteriormente, também voluntariamente, o Brasil aderiu ao Protocolo Facultativo ao PIDCP, que regula as comunicações individuais (petições de cidadãos) ao Comitê de Direitos Humanos. O texto foi aprovado pelo Congresso Nacional mediante o Decreto Legislativo 311/2009.



O Comitê de Direitos Humanos é um órgão do PIDCP, responsável por velar pelo cumprimento das obrigações que os Estados Partes assumiram ao se vincularem voluntariamente ao tratado.



Segundo o art. 1º do Protocolo Facultativo, ao qual o Brasil se obrigou, “o Comitê tem competência para receber e examinar comunicações provenientes de indivíduos sujeitos à sua jurisdição que aleguem ser vítimas de uma violação, por esses Estados Partes, de qualquer dos direitos enunciados no Pacto”.



Ademais, segundo o art. 4º, inciso II, da Constituição de 1988, o Brasil rege-se nas suas relações internacionais pela prevalência dos direitos humanos.



Assim, tendo manifestado por duas vezes validamente sua vontade na ordem jurídica internacional ao tornar-se parte do Pacto Internacional de 1966 e do seu Protocolo Facultativo, que vigora desde 1976, o Estado brasileiro está obrigado a cumprir seus termos, e a atuação do Comitê não constitui intromissão em assuntos internos. Tampouco há violação da soberania brasileira. Ao contrário, o ingresso nos dois tratados decorreu de um ato de soberania da República Federativa do Brasil.



Periodicamente, o Comitê divulga suas decisões (chamadas “Views”) sobre supostas violações de direitos humanos ocorridas nos diversos Estados Partes do Pacto. Atualmente,  o PIDCP tem 172 Estados Partes e 116 países (em azul) são membros do Protocolo Facultativo.



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6. Obrigatoriedade e coercibilidade das decisões internacionais em geral



A questão agora é saber se as decisões de órgãos internacionais de direitos humanos são obrigatórias ou se são meras recomendações, a serem lidas como soft law. 



Há controvérsias sobre este tema, que examinarei mais adiante. Por ora, pode-se dizer que são vinculantes as manifestações e pronunciamentos de órgãos internacionais judiciais, como os proferidos por tribunais como o Tribunal Penal Internacional (TPI) e a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH). O Brasil reconhece a jurisdição obrigatória dessas duas cortes supranacionais, em função do Estatuto de Roma de 1998 (Decreto 4.388/2002) e da declaração de 10 de dezembro de 1998 (Decreto 4.463/2002).



Quanto aos órgãos quase-judiciais — como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e o Comitê de Direitos Humanos (CDH) do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (PIDCP) — é que os internacionalistas divergem.



Consta da exposição de motivos do projeto de decreto apresentado ao presidente da República em 17 de outubro de 2005:



2. O Brasil, não obstante, ao aderir ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, não aderiu a seus dois protocolos facultativos. A adesão do Brasil aos dois citados protocolos foi incluída entre as recomendações do Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas após o exame do Relatório Inicial do Estado brasileiro, em 1996. À luz da política brasileira de direitos humanos, orientada para o aprofundamento da integração aos mecanismos internacionais de proteção, pareceria recomendável a adesão aos referidos instrumentos internacionais, mediante solicitação da necessária autorização do Congresso Nacional.



3. O (Primeiro) Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, adotado em 16 de dezembro de 1966, ao prever a competência do Comitê de Direitos Humanos para receber e examinar petições individuais, harmoniza-se com o reconhecimento pelo Brasil da legitimidade da preocupação internacional com os direitos humanos e do interesse superior da proteção das possíveis vítimas, que passariam a dispor de mecanismo adicional de tutela contra eventuais violações.



4. O Brasil já reconhece a competência para o exame de casos individuais por parte de importantes órgãos internacionais de direitos humanos, nos âmbitos global e regional, como a Comissão e a Corte Interamericanas de Direitos Humanos, o Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial e o Comitê para a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres. O reconhecimento da competência do Comitê de Direitos Humanos para examinar petições de indivíduos que aleguem ser vítimas de violações dos dispositivos do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos representaria o aprofundamento dessa vertente da política brasileira de direitos humanos.

7. O Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos está vigente na ordem interna?



Há um (aparente) óbice substancial ao cumprimento de decisões do Comitê de Direitos Humanos do PIDCP.



Para que um tratado seja cumprido pelo Brasil, o texto tem de passar pelo procedimento bifásico de aprovação congressual, que culmina com o depósito do instrumento de ratificação ou de adesão pelo governo brasileiro e a publicação do documento no Diário Oficial da União pelo Poder Executivo.



O Protocolo Facultativo em vigor desde 1976 foi aprovado pelo Congresso Nacional mediante o Decreto Legislativo 311/2009, publicado no DOU em 17 de junho de 2009. No entanto, não veio em seguida, como era de se esperar, o decreto presidencial de promulgação. Este ato nunca foi editado.



Tal falta põe este e qualquer outro tratado na exótica posição de norma de caráter vinculante internacionalmente, mas carente de vigência interna. Trabalhei esses conceitos num post de agosto de 2015, aqui, para criticar o entendimento vigente.



Esse rito (dupla publicação para vigência) para a incorporação de tratados ao direito interno brasileiro foi chancelado pelo STF, como se vê nesse julgado de 1998:



PROCEDIMENTO CONSTITUCIONAL DE INCORPORAÇÃO DE CONVENÇÕES INTERNACIONAIS EM GERAL E DE TRATADOS DE INTEGRAÇÃO (MERCOSUL). – A recepção dos tratados internacionais em geral e dos acordos celebrados pelo Brasil no âmbito do MERCOSUL depende, para efeito de sua ulterior execução no plano interno, de uma sucessão causal e ordenada de atos revestidos de caráter político-jurídico, assim definidos: (a) aprovação, pelo Congresso Nacional, mediante decreto legislativo, de tais convenções; (b) ratificação desses atos internacionais, pelo Chefe de Estado, mediante depósito do respectivo instrumento; (c) promulgação de tais acordos ou tratados, pelo Presidente da República, mediante decreto, em ordem a viabilizar a produção dos seguintes efeitos básicos, essenciais à sua vigência doméstica: (1) publicação oficial do texto do tratado e (2) executoriedade do ato de direito internacional público, que passa, então – e somente então – a vincular e a obrigar no plano do direito positivo interno. Precedentes. (STF, Pleno, CR 8277 AgR / Argentina, rel. min. Celso de Mello, j. em 17.6.1998).
Faltando vigência interna, o tratado não seria exequível no plano doméstico. Não ignoro, porém, a controvérsia na doutrina internacionalista sobre a vigência interna, ou não, do Procotocolo Facultativo. Certo é que o documento tem vigência internacional e, após o depósito do instrumento de ratificação ou adesão, isto deveria ser suficiente para obrigar o Estado brasileiro, desde 25 de setembro de 2009.




8. Pacta sunt servanda: as decisões do Comitê de Direitos Humanos são vinculantes?



Se for vencido o óbice da vigência interna, é preciso retomar com mais detalhe a questão da obrigatoriedade das decisões do Comitê de Direitos Humanos.



Se os dois tratados que se referem ao Comitê estiverem vigentes, interna e internacionalmente, para o Estado signatário, certos internacionalistas sustentam que suas decisões podem ser consideradas vinculantes, e não meras recomendações. \



Mas, ainda que seja assim (há opiniões divergentes), faltará a tais decisões executoriedade ou coercibilidade.



A falta de coercibilidade de pronunciamentos de órgãos como a CIDH e o Comitê do PIDCP é notória, mas isso, segundo parte da doutrina especializada, não desfaz a natureza do ato, que é vinculante. Se um Estado soberano ingressou voluntariamente no espaço jurídico de um tratado, tem de cumpri-lo.



Segundo o entendimento do próprio Comitê de Direitos Humanos do PIDCP, suas decisões, inclusive as cautelares, são obrigatórias, diante do princípio pacta sunt servanda, que encontra reforço normativo no art. 26 da Convenção de Viena de 1969 (Decreto 7.030/2009):



“Todo tratado em vigor obriga as partes e deve ser cumprido por elas de boa fé.”
No caso Piandiong e outros vs. Filipinas (2000), o Comitê do PIDCP decidiu que o descumprimento por Manila de uma interim measure concedida pelo colegiado a cidadãos sujeitos a pena de morte representava uma grave violação do direito internacional.



“5.2. (…) a State party commits grave breaches of its obligations under the Optional Protocol if it acts to prevent or frustrate consideration by the Committee of a communication alleging a violation of the Covenant or to render examination by the Committee moot and the expression of its views nugatory and futile (…). It is particularly inexcusable for the State to do so after the Committee has acted under its rule 86 to request that the State party refrain from doing so”.
A menção ao art. 86 (rule) do Regulamento do Comitê de Direitos Humanos do PIDCP deve ser lida hoje como referência ao art. 92 do mesmo documento. Tal dispositivo trata das medidas provisórias (cautelares) ou interim measures, tal como a que foi concedida pelo órgão ao ex-presidente Lula e que são expedidas antes do exame da questão de fundo (mérito da causa).



Eis o que diz o art. 92, no texto em inglês:



Rule 92: The Committee may, prior to forwarding its Views on the communication to the State party concerned, inform that State of its Views as to whether interim measures may be desirable to avoid irreparable damage to the victim of the alleged violation. In doing so, the Committee shall inform the State party concerned that such expression of its Views on interim measures does not imply a determination on the merits of the communication.
Agora em espanhol:



Art.92. El Comité podrá, antes de transmitir su dictamen sobre la comunicación al Estado parte interesado, comunicar a ese Estado su opinión sobre la conveniencia de adoptar medidas provisionales para evitar un daño irreparable a la víctima de la violación denunciada. En tal caso, el Comité informará al Estado parte interesado de que esa expresión de su opinión sobre las medidas provisionales no implica ninguna decisión sobre el fondo de la comunicación.
Apesar da escassa executoriedade de decisões de órgãos supranacionais em relação à jurisdição local, evidentemente tais decisões ao menos têm elevado poder de persuasão. Há, porém, como visto, quem defenda o caráter obrigatório de tais decisões, inclusive das interim measures (cautelares).



Nesse sentido, ao comentar decisão da França de não cumprir três decisões de 2011 e 2013 do Comitê, relacionadas a liberdade religiosa de sikhs, Nikolaos Sitaropoulossustenta o caráter vinculante das decisões do CDH:



In its General Comment No 33 (2008), the HRC noted that even though it is not a judicial body, its Views “exhibit some important characteristics of a judicial decision. They are arrived at in a judicial spirit, including the impartiality and independence of Committee members”. It added that the Views are “an authoritative determination by a quasi-judicial organ established by ICCPR tasked with the interpretation of this treaty”.



As a consequence, every state party to ICCPR and its OP is bound by their provisions and the findings of the HRC, in accordance with the fundamental principle of pacta sunt servanda. Article 26 of the Vienna Convention on the Law of Treaties (VCLT) exemplifies this principle as follows: “Every treaty in force is binding upon the parties to it and must be performed in good faith” (SITAROUPOULOS, Nikolaos, States are bound to consider the UN Human Rights Committees’ views in good faith. OxHRH Blog, 2015. Disponível em: . Acesso em 17.ago.2018.)
No entanto, o caráter vinculante das decisões (ou “visões”) do Comitê não é pacífica. Segundo Thomas Buergenthal, tais manifestações não são obrigatórias:



“The decisions or so-called Views the Committee adopts in dealing with individual communications under the Optional Protocol are not legally binding. The Optional Protocol contains no provision making Views binding, and the very use of the word ‘Views’ in article 5 para. 4 of the Protocol is designed to indicate that they are advisory rather than obligatory in character. This does not mean, of course, that these decisions have no normative effect or that they can be disregarded with impunity. After all, by ratifying the Optional Protocol the States parties have recognized the competence of the Committee to determine whether a State has violated a right guaranteed in the Covenant. As States Parties to the Covenant, these states have also undertaken to give effect to Covenant rights on the domestic plane and to provide an effective remedy to their violation. A Committee determination that a state has violated a right guaranteed in the Covenant therefore enjoys a normative and institutional legitimacy that carries with it a justifiable expectation of compliance”. (in: Max Planck Yearbook of United Nations Law. Hais: Kluwer Law International, 2001, vol. 5, p. 397).
Em sentido semelhante, em entrevista ao autor deste Blog, o professor Jan-Michael Simon, do Instituto Max Planck para Direito Penal Estrangeiro e Internacional, ensina que as manifestações do Comitê “não são decisões judiciais”. Por isso não são vinculantes. Para ele, esta é a interpretação correta no direito internacional público. Na Alemanha, tais “views” são tidas como “causa de readmissão” ou de reexame (Wiederaufnahmegrund). Portanto, seriam apenas indiretamente vinculantes, significando que o Estado Parte tem o dever internacional de verificar se sua conduta violou o Pacto, em função do princípio geral de DIP da boa-fé. Contudo, “Não implementar uma decisão preliminar de acordo com o artigo 92 do regulamento representa uma séria violação do Pacto”, segundo Simon.



Se afastarmos a divergência doutrinária e considerarmos que tais decisões são vinculantes para os Estados Partes do Protocolo Facultativo, qual seria a consequência prática dessa violação no direito internacional? Escassa, quase nenhuma, já que não há um órgão internacional capaz de saná-la e de obrigar o Estado membro a cumprir sua obrigação (dever) internacional.



No entanto, insisto, a decisão não deixaria de ser “obrigatória” por isso. O problema fundamental, enfim, está na falta de coercibilidade, não na inexistência de obrigatoriedade, ainda que indireta.



Este fenômeno de efetividade se dá mesmo em relação a decisões que são inequivocamente vinculantes. Basta lembrar que, desde que reconheceu a jurisdição obrigatória da Corte IDH mediante o Decreto 4.463/2002 — com remissão a dezembro de 1998 –, o Brasil foi condenado oito vezes pelo tribunal interamericano. Porém, no plano judicial interno, não tem cumprido inteiramente as sentenças interamericanas, apesar da clareza da seguinte regra:



Art. 1º. É reconhecida como obrigatória, de pleno direito e por prazo indeterminado, a competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos em todos os casos relativos à interpretação ou aplicação da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José), de 22 de novembro de 1969, de acordo com art. 62 da citada Convenção, sob reserva de reciprocidade e para fatos posteriores a 10 de dezembro de 1998.
Veja-se, por exemplo, o que se deu no caso Sétimo Garibaldi, cuja sentença interamericana, proferida em 23 de setembro de 2009, dificilmente será cumprida pelo Brasil, em função da decisão adotada pelo Tribunal de Justiça do Paraná, de negar o desarquivamento do inquérito que apurava o homicídio da vítima. Este acórdão foi depois confirmado pelo Superior Tribunal de Justiça em 2017, no julgamento do RESP 1.351.177/PR, já que o tribunal não conheceu o recurso especial (STJ, 6ª Turma, rel. para o acórdão min. Sebastião Reis Júnior, j. em 15/03/2016).



Em entrevista em dezembro de 2010, logo após a sentença da Corte IDH no caso da Guerrilha do Araguaia (Gomes Lund e outros vs. Brasil) ser anunciada, o ministro Marco Aurélio Mello, disse que “o direito interno, pautado pela Constituição Federal, deve se sobrepor ao Direito internacional”, acrescentando que “Nosso compromisso é observar a convenção, mas sem menosprezo à Carta da República, que é a Constituição Federal”. Disse ainda que a decisão da Corte IDH teria eficácia apenas política e que “não tem concretude como título judicial. Na prática, o efeito será nenhum, é apenas uma sinalização”.



Mutatis mutandi, se o Judiciário brasileiro não tem cumprido sentenças da Corte Interamericana de Direitos Humanos (orgão judicial supranacional), haverá de reconhecer e cumprir decisão cautelar, de controvertido caráter vinculante, expedida por um órgão quase-judicial do sistema ONU?



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9. O esgotamento dos recursos internos



Se, no momento processual apropriado, o Estado brasileiro provar que há meios internos de impugnação pendentes e disponíveis ao autor da comunicação, o Comitê de Direitos Humanos pode cassar a liminar que concedeu, devido à inadmissibilidade da comunicação individual (art. 2º do PF/PIDCP):



“Art. 2º. Ressalvado o disposto no artigo 1º os indivíduos que se considerem vítimas da violação de qualquer dos direitos enunciados no Pacto e que tenham esgotado todos os recursos internos disponíveis podem apresentar uma comunicação escrita ao Comitê para que este a examine.”
Como se trata de decisão cautelar, a interim measure foi proferida inaudita altera pars, ou ex parte, sem audiência da parte contrária. O governo brasileiro não foi notificado previamente do pedido do ex-presidente Lula e por isso o Itamaraty e Advocacia-Geral da União ainda não apresentaram a “contestação” do Brasil.



Comunicações ao Comitê de Direitos Humanos exigem o esgotamento de recursos internos, para o exame do mérito, como também deixa claro o art. 5.2.b do Protocolo Facultativo:



Art. 5º.



2. O Comitê não examinará nenhuma comunicação de um indivíduo sem se assegurar de que:



b) O indivíduo esgotou os recursos internos disponíveis. Esta regra não se aplica se a aplicação desses recursos é injustificadamente prolongada.
O governo brasileiro poderá esclarecer ao Comitê do PIDCP que o ex-presidente Lula ainda não esgotou os “recursos” (meios) internos de impugnação a sua disposição, no curso do processo penal e do processo eleitoral de registro de candidatura.



Por exemplo, além dos recursos extraordinário (ao STF) e especial (ao STJ) ainda não julgados, resta-lhe lançar mão do art. 26-C da Lei Complementar 64/90, segundo o qual o órgão colegiado do tribunal (STF ou STJ) — ao qual couber a apreciação do recurso contra a decisão condenatória proferida pelo TRF-4 — “poderá, em caráter cautelar, suspender a inelegibilidade sempre que existir plausibilidade da pretensão recursal“.



A existência de meios de impugnação (“recursos”) internos na jurisdição local costuma, portanto, afastar a competência de órgãos internacionais, sejam cortes ou órgãos quase-judiciais. O Comitê do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos-PIDCP só pode agir, pelo mérito, após esgotados tais meios. No entanto, medidas de urgência podem ser deferidas antes desse exame.



Como visto, de acordo com o art. 5.2.b do Protocolo Facultativo, o Comitê não examina nenhuma petição (comunicação) individual, de mérito, sem verificar se foram esgotados os recursos (meios) internos de impugnação disponíveis. Ou seja, a medida cautelar concedida, em sede liminar, pelo Comitê pode perder validade, se tal requisito não for provado.




10. A execução penal (prisão) após o duplo grau de jurisdição



Por mais de uma vez, o Supremo Tribunal Federal debruçou-se sobre a possibilidade de início da execução penal após o encerramento da instância ordinária, no processo penal, o que se dá com os julgamentos de competência do tribunal de apelação. Assim foi no HC 126.292/SP, julgado em 2016.



O STF reiterou tal posição ao negar liminar nas ADCs 43 e 44 (STF, Pleno, redator min. Edson Fachin, j. em 05/10/2016), quando decidiu que o art. 283 do Código de Processo Penal não impede o início da execução da pena após condenação em segunda instância.



Em novembro de 2016, pela terceira vez, a Suprema Corte chancelou a compreensão de que é possível a execução provisória do acórdão penal condenatório proferido em grau recursal, mesmo que estejam pendentes recursos aos tribunais superiores (STF, Pleno, ARE 964.246 RG / SP, rel. min. Teori Zavascki, j. em 11/11/2016), que teve repercussão geral reconhecida



Finalmente, em abril de 2018, ao julgar habeas corpus impetrado pelo ex-presidente Lula contra o acórdão condenatório do TRF-4, o STF aplicou-lhe a jurisprudência vigente e negou-lhe a ordem por considerar válida a execução penal:



HABEAS CORPUS. MATÉRIA CRIMINAL. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA. (…) ATO REPUTADO COATOR COMPATÍVEL COM A JURISPRUDÊNCIA DO STF. ILEGALIDADE OU ABUSO DE PODER. INOCORRÊNCIA. ALEGADO CARÁTER NÃO VINCULANTE DOS PRECEDENTES DESTA CORTE. IRRELEVÂNCIA. (…) ORDEM DENEGADA. 1. Por maioria de votos, o Tribunal Pleno assentou que é admissível, no âmbito desta Suprema Corte, impetração originária substitutiva de recurso ordinário constitucional. (…). 3. Não se qualifica como ilegal ou abusivo o ato cujo conteúdo é compatível com a compreensão do Supremo Tribunal Federal, sobretudo quando se trata de jurisprudência dominante ao tempo em que proferida a decisão impugnada. 4. Independentemente do caráter vinculante ou não dos precedentes, emanados desta Suprema Corte, que admitem a execução provisória da pena, não configura constrangimento ilegal a decisão que se alinha a esse posicionamento, forte no necessário comprometimento do Estado-Juiz, decorrente de um sistema de precedentes, voltado a conferir cognoscibilidade, estabilidade e uniformidade à jurisprudência. 5. O implemento da execução provisória da pena atua como desdobramento natural da perfectibilização da condenação sedimentada na seara das instâncias ordinárias e do cabimento, em tese, tão somente de recursos despidos de automática eficácia suspensiva, sendo que, assim como ocorre na deflagração da execução definitiva, não se exige motivação particularizada ou de índole cautelar.  (…) 9. Ordem denegada. (STF, Pleno, HC 152.752/PR, rel. min. Edson Fachin, j. em 07/04/2018).
Assim, não há mais dúvida (embora haja resistência) de que a execução da pena privativa de liberdade pode-se iniciar tão logo seja esgotada a instância recursal ordinária. Ou seja, uma vez que o réu tenha tido o direito de recorrer em apelação (recurso ordinário) a um tribunal de segundo grau e que não caiba mais nenhum recurso nessa mesma instância, a pena que lhe tiver sido aplicada deve ser cumprida.



A garantia fundamental do duplo grau de jurisdição, presente na CADH e no PIDCP, terá sido cumprida e a condenação será firme e executável, na medida em que a culpa (quanto à ocorrência do fato e à sua autoria) terá sido formada e demonstrada.



Dito isto, a questão eleitoral — sobre se Fulano ou Beltrano pode ou não ser candidato — não está ligada ao cumprimento da pena (ou mesmo à existência de decreto de prisão preventiva). O direito político de ser votado e concorrer à eleição é obviamente impactado por uma condenação criminal definitiva, da qual resulta a suspensão dos direitos políticos.



Todavia, a inelegibilidade do cidadão que pretende ser candidato também decorre diretamente da Lei da Ficha Lima (LC 135/2010), sancionada em 2010 e considerada constitucional pelo STF.




11. A decisão do Comitê deve ter efeito sobre o processo eleitoral?



Se superadas as questões preliminares antes indicadas, como as relacionadas à falta de vigência interna do Protocolo Facultativo ao Pacto e ao caráter vinculante ou não da decisão do Comitê, a resposta será sim.



Caberia, então, à Justiça Eleitoral cumprir a decisão do Comitê de Direitos Humanos do PIDCP na ação de impugnação de registro de candidatura (AIRC) que tem curso no TSE. Esta ação está prevista na Lei Complementar 64/1990, alterada pela Lei 135/2010 (Lei da Ficha Limpa), e regula as inelegibilidades.



Ainda que se entenda que a decisão do Comitê não é obrigatória e que equivale a mera recomendação, a interim measure do Comitê tem força moral. Sua coercibilidade/executoriedade é limitada porque o descumprimento da decisão pelo Brasil não tem sanção direta, resultando apenas em exposição do País perante a comunidade internacional como Estado inadimplente em relação a obrigações que assumiu no Pacto Internacional e no seu Protocolo Facultativo.




12. A harmonização do direito brasileiro e do direito internacional



A solução que me parece doutrinariamente adequada para assegurar a harmonia entre a ordem jurídica interna (a LFL e a Lei 9.504/1997) e a ordem jurídica internacional (o PIDCP e seu Protocolo Facultativo), que não são conflitantes, é o cumprimento, pelo Brasil, da decisão cautelar expedida pelo(s) relator(es) especial(is) do Comitê de Direitos Humanos do PIDCP, para evitar o perecimento do direito político de concorrer às eleições.



Nesta hipótese, caberia ao TSE deferir ao ex-presidente Lula o direito previsto no artigo 16-A da Lei Eleitoral (Lei 9.504/1997), até que a ação de impugnação de registro de candidatura seja julgada definitivamente:



Art. 16-A. O candidato cujo registro esteja sub judice poderá efetuar todos os atos relativos à campanha eleitoral, inclusive utilizar o horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão e ter seu nome mantido na urna eletrônica enquanto estiver sob essa condição, ficando a validade dos votos a ele atribuídos condicionada ao deferimento de seu registro por instância superior. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009).
Embora endereçada ao Estado brasileiro, por meio do Itamaraty, o destinatário primário da ordem internacional cautelar expedida pelo Comitê de Direitos Humanos do PIDCP é a Justiça Eleitoral, inclusive o seu Ministério Público.



Não importa se o potencial candidato está preso ou solto, já que este tema é da alçada do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, no curso da ação penal e dos recursos criminais (especial e extraordinário) pertinentes.



A finalidade principal da decisão do Comitê (vinculante ou mera recomendação, as teses divergem) é levar o Estado brasileiro a adotar as medidas necessárias para assegurar a participação do potencial candidato em questão em todos os atos da campanha eleitoral, o que pode ser alcançado pela simples aplicação do art. 16-A da Lei 9.504/1997, até que o TSE e o STF decidam definitivamente sobre o registro de candidatura e a inelegibilidade, que, como é evidente, resulta da Lei da Ficha Limpa.



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GGN

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