Como o maior cantor popular do Brasil se transformou numa máquina de proibir livros sobre ele.
Roberto Carlos é o chamado control freak. Sempre foi, mas piorou nos
últimos anos. Sua obsessão por controlar sua imagem é notória e o leva a
tomar decisões absurdas, na melhor das hipóteses, ou autoritárias, na
pior. Cercado de agentes e aspones que o protegem de tudo, ou tentam
protege-lo, Roberto vive num mundo de fantasia, uma casca de ovo que ele
pretende inexpugnável.
A nova de RC e seu time foi a notificação extrajudicial ordenando o recolhimento de um livro chamado Jovem Guarda: Moda, Música e Juventude,
de Maíra Zimmermann. É a tese de mestrado de Maíra, professora da FAAP,
e fala do surgimento do, na opinião da autora, mercado consumidor
adolescente nos anos 60. Tiragem: mil exemplares. Mil.
Os advogados do cantor alegam que ele traz detalhes sobre a
trajetória de sua vida e de sua intimidade e que a capa “contém
caricatura do notificante e dos principais integrantes da Jovem Guarda
sem que eles nem sequer fossem notificados”. Seu empresário declarou à
Folha que recebe todo mês vários casos desse tipo e que “já passa direto
para o escritório jurídico”.
Roberto se especializou no papel de censor. Não adianta o empresário
dizer que “a lei nos protege” (o artigo 5º da Constituição veda a
violação da intimidade e da vida privada e sua “exploração indevida”).
Em 2007, ele já havia proibido a boa biografia Roberto Carlos em Detalhes,
de Paulo César de Araújo, com os mesmos argumentos. Roberto se cerca de
gente amedrontada que segue essa omertá. Há dois anos, numa matéria
para a revista Alfa, o repórter Marcelo Zorza Netto entrevistou um
músico de sua banda. Durante algumas semanas, ele ligou para a redação,
preocupadíssimo com o que havia contado sobre Roberto (uma história
sobre uma manifestação do TOC, o transtorno obsessivo compulsivo de que
RC sofre).
Para Roberto, a amputação de sua perna, na altura da canela direita,
aos 6 anos, é um tabu que ganhou dimensões gigantescas. Em sua melhor
fase, meados dos anos 70, ele mesmo abordou esse drama na canção O Divã.
O roteiro de seu famoso cruzeiro leva sua condição em consideração. Os
shows precisam acontecer em águas calmas para que ele não se
desequilibre. Mas isso não pode ser dito (aliás, foi dito numa
reportagem da Viagem e Turismo. A antiga assessora de imprensa passou
também alguns dias telefonando).
Por isso as entrevistas de Roberto são sempre insossas. Sua participação no documentário Uma Noite em 67,
sobre um festival da Record, é frustrante. Ele não sabia de nada, ele
não tem nada a dizer que não seja protocolar. Faz uma piada sobre o fato
de que havia uma turma organizada para vaiá-lo quando defendeu sua
música, Maria, Carnaval e Cinzas, dando sua clássica risada.
Só. Existe um acerto anterior de não se tocar em qualquer assunto que
não seja de seu agrado. Não é que ele seja recluso ou avesso à mídia.
Ele aparece bastante na Caras ou na Contigo, mas sempre do jeito que
quer.
Você já deve ter lido ótimos livros, e outros nem tanto, sobre Frank
Sinatra, John Lennon, Billie Holiday, Keith Richards etc. No ano
passado, os Stones completaram 50 anos de carreira. Houve uma enxurrada
de biografias. Uma delas, a de Mick Jagger, escrita pelo bom crítico
Philip Norman, dava um excelente panorama dos anos 60 e 70 e dissecava,
claro, o vocalista dos Stones: suas mulheres, a prisão por posse de
drogas e por aí vai. Não houve nenhum movimento do escritório de Jagger
para proibi-la ou tirá-la de circulação (continua sendo vendida na
Amazon, aliás).
Você pode achar que Roberto Carlos, bem, quem se importa com Roberto
Carlos? Isso é uma questão. Outra, bem diferente, é como o maior cantor
popular do Brasil virou um campeão da censura. Ele afirma que está
preparando sua biografia. Maravilha, bicho. Uma coisa é certa: de tudo o
que ele não vai dizer, suas proibições maníacas a livros não serão
encontradas em página alguma.
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