E
lá se foi Paulo Vanzolini, 89. Não tenho nada a acrescentrar ao seu
obituário. Deixo, porém, nesta madruga tingida de luto e melancolia, uma
crônica sobre um dos seus maiores personagens: a mulher que ronda a
cidade à procura do seu amor vira-lata.
V de vingança, V de Vanzolini.
A mulher chega na frente do bar, assim como não quer nada, vasculha com as vistas, e vai embora. Mais adiante repete o mesmo ritual em outra freguesia. Está desesperada à procura do marido, do traste, do vagabundo, como deve ser tratado doravante.
De tanto ver tal cena na capital paulista, quando trabalhava como patrulheiro de ruas no baixo meretrício, Paulo Vanzolini fez a música “Ronda”, como relata o poeta-sambista no filme “Um homem de moral”, dirido por Ricardo Dias.
Conheci Vanzolini pessoalmente há quase cinco anos. Na véspera das homenagens ao seu 85º aniversário. Diante de todo aquele samba-exaltação ao músico, ele dizia preferir receber todas as honras, vivo ou morto, pelo seu trabalho como zóologo da USP, doutor em biologia em Harvad, cientista especializado em répteis.
Havia começado, na obsessão por descobrir os mistérios da natureza, um estudo sobre o comportamento das cascáveis. “Não estou falando das mulheres indomáveis, amigo”, mandava o chiste.
Criatura que rasteja, seja macho, fêmea ou bicho era com Vanzolini. A música dele está repleta da gente que esperneia, alma em desassossego, como a dama que procura o marido, amante ou cacho em uma longa viagem ao fim da noite paulistana.
E foi ao ouvir de novo a canção que joguei na mesa do botequim o debate: esta mulher de “Ronda” ainda existe? A destemida que enfrenta o frio e as almas sebosas da madruga em busca do seu homem?
Há controvérsias, como diriam os diplomáticos. Ora, hoje em dia existe o celular, ela não careceria de tanta humilhação, diriam outros mais espertos. E se ele desligou o aparelho, como muitas vezes acontece nos chá-de-sumiço do gênero?
Um pouco da canção enquanto o leitor reflete sobre o tema: “De noite eu rondo a cidade/ A te procurar sem encontrar/ No meio de olhares espio em todos os bares/Você não está…”
O problema é que agora somos nós, os homens, que rondamos em vão à procura da cria das nossas costelas, opinariam amigos que se pelam de medo de um chifre. Até que faz sentido. Sintoma dos tempos, coisas da vida. Bem feito. Eu acho é pouco. Levamos o troco da história.
Vanzolini gira na agulha: “Volto pra casa abatida/ Desencantada da vida/ O sonho alegria me dá/ Nele você está…”
Coitada, você diria a essa altura, abaixou-se mais do que os répteis investigados pelo Vanzolini. Recolha a sua piedade, amigo, e aguarde as cenas dos próximos capítulos.
“Ah, se eu tivesse/ quem bem me quisesse/ Esse alguém me diria/ Desiste, esta busca é inútil/ Eu não desistia…”
Até ai tudo bem, rola o vinil na vitrola, mas a dama, logo adiante, já ensaia a tragédia: “Porém, com perfeita paciência/ Volto a te buscar/
Hei de encontrar/ Bebendo com outras mulheres/ Rolando um dadinho/Jogando bilhar.”
Como vê, amigo, o ciúme sempre corre na frente da realidade e puxa o rabo de todos demônios interiores.
Até o trágico epílogo: “E neste dia então/ Vai dar na primeira edição/ Cena de sangue num bar/ Da avenida São João.”.
Não foi por falta de aviso. Os seres que rastejam depuram no alambique do peito os venenos mais trágicos.
V de vingança, V de Vanzolini.
A mulher chega na frente do bar, assim como não quer nada, vasculha com as vistas, e vai embora. Mais adiante repete o mesmo ritual em outra freguesia. Está desesperada à procura do marido, do traste, do vagabundo, como deve ser tratado doravante.
De tanto ver tal cena na capital paulista, quando trabalhava como patrulheiro de ruas no baixo meretrício, Paulo Vanzolini fez a música “Ronda”, como relata o poeta-sambista no filme “Um homem de moral”, dirido por Ricardo Dias.
Conheci Vanzolini pessoalmente há quase cinco anos. Na véspera das homenagens ao seu 85º aniversário. Diante de todo aquele samba-exaltação ao músico, ele dizia preferir receber todas as honras, vivo ou morto, pelo seu trabalho como zóologo da USP, doutor em biologia em Harvad, cientista especializado em répteis.
Havia começado, na obsessão por descobrir os mistérios da natureza, um estudo sobre o comportamento das cascáveis. “Não estou falando das mulheres indomáveis, amigo”, mandava o chiste.
Criatura que rasteja, seja macho, fêmea ou bicho era com Vanzolini. A música dele está repleta da gente que esperneia, alma em desassossego, como a dama que procura o marido, amante ou cacho em uma longa viagem ao fim da noite paulistana.
E foi ao ouvir de novo a canção que joguei na mesa do botequim o debate: esta mulher de “Ronda” ainda existe? A destemida que enfrenta o frio e as almas sebosas da madruga em busca do seu homem?
Há controvérsias, como diriam os diplomáticos. Ora, hoje em dia existe o celular, ela não careceria de tanta humilhação, diriam outros mais espertos. E se ele desligou o aparelho, como muitas vezes acontece nos chá-de-sumiço do gênero?
Um pouco da canção enquanto o leitor reflete sobre o tema: “De noite eu rondo a cidade/ A te procurar sem encontrar/ No meio de olhares espio em todos os bares/Você não está…”
O problema é que agora somos nós, os homens, que rondamos em vão à procura da cria das nossas costelas, opinariam amigos que se pelam de medo de um chifre. Até que faz sentido. Sintoma dos tempos, coisas da vida. Bem feito. Eu acho é pouco. Levamos o troco da história.
Vanzolini gira na agulha: “Volto pra casa abatida/ Desencantada da vida/ O sonho alegria me dá/ Nele você está…”
Coitada, você diria a essa altura, abaixou-se mais do que os répteis investigados pelo Vanzolini. Recolha a sua piedade, amigo, e aguarde as cenas dos próximos capítulos.
“Ah, se eu tivesse/ quem bem me quisesse/ Esse alguém me diria/ Desiste, esta busca é inútil/ Eu não desistia…”
Até ai tudo bem, rola o vinil na vitrola, mas a dama, logo adiante, já ensaia a tragédia: “Porém, com perfeita paciência/ Volto a te buscar/
Hei de encontrar/ Bebendo com outras mulheres/ Rolando um dadinho/Jogando bilhar.”
Como vê, amigo, o ciúme sempre corre na frente da realidade e puxa o rabo de todos demônios interiores.
Até o trágico epílogo: “E neste dia então/ Vai dar na primeira edição/ Cena de sangue num bar/ Da avenida São João.”.
Não foi por falta de aviso. Os seres que rastejam depuram no alambique do peito os venenos mais trágicos.
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