Delegado diz que Folha e Estadão financiaram repressão durante a ditadura
Ex-delegado da Polícia Civil Claudio Guerra diz em
depoimento à comissão municipal da verdade de São Paulo que atuou como
'executor' de militantes contra ditadura e como estrategista
Publicado em 24/04/2013, 19:55
Última atualização às 20:16
São Paulo – O ex-delegado da Polícia Civil do Espírito Santo Claudio Guerra afirmou em depoimento ao presidente da Comissão Municipal da Verdade de São Paulo, Vladimir Herzog, o vereador Gilberto Natalini (PV), que os jornais O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo teriam contribuído com doações em dinheiro para a Operação Bandeirante (Oban), sistema montado pelo Exército em 1969 para coordenar as operações de repressão à luta armada contra a ditadura (1964-1985). O depoimento foi prestado na segunda-feira (22), em Cariacica, na Grande Vitória. Guerra foi a fonte do livro Memórias de uma Guerra Suja, dos jornalistas Rogério Medeiros e Marcelo Netto, lançado em 2012.
Além
dos jornais, empresas como Ultragaz, Banco Mercantil de São Paulo,
Banco Sudameris, Ford, General Motors e Volkswagen também são
apontados com supostos financiadores da Oban.
Segundo
Guerra, a
Folha de S.Paulo,
além de recursos financeiros, teria participado do esquema
de repressão com o fornecimento de carros usados em operações
e que o dono do jornal na época, Otavio Frias de Oliveira, teria
visitado “constantemente” o Departamento Estadual de Ordem
Pública e Social (Deops) e seria amigo pessoal do delegado Sérgio
Fernando Paranhos Fleury, apontado, junto com o coronel Carlos
Alberto Brilhante Ustra, como comandante das operações de repressão,
tortura, execução e ocultamento de cadáveres de militantes contra
a ditadura.
“A
gente recebia bônus em dinheiro, mas quem dava era o SNI (Serviço Nacional de Informações)”,
afirmou. O ex-delegado disse que o Banco Mercantil do Estado de São
Paulo era um dos principais arrecadadores de fundos para financiar a
Oban. “O dono do banco arrecadou US$ 350 mil (no
lançamento da operação) e (tinha) as empresas Ultragaz, O
Estado de S. Paulo a Folha de S. Paulo forneciam verba, carros. O
Frias visitava o Deops constantemente e
era amigo pessoal do Fleury. O ex-ministro Delfim Netto também
participava”, disse.
As direções dos dois jornais foram procuradas pela RBA para repercutir as denúncias, mas não retornaram as solicitações de informação.
Guerra
também afirma no depoimento que na operação conhecida como chacina
da Lapa, na qual em 1976 em um casa no bairro paulistano
foram mortos três dirigentes do PcdoB, o autor dos disparos que
mataram os comunistas seria o delegado Fleury e não militares.
“O
Fleury tava lá, o Doi-Codi. Nós estávamos na cobertura e fizemos
os primeiros disparos para assustar. As pessoas já estavam rendidas
e foram metralhadas”, disse.
Guerra
afirmou que entrou para o esquema de repressão coordenado pelo SNI em
1973 na função de executar assassinatos de militantes da luta
armada e depois foi “promovido” a estrategista e foi responsável
por atentados a bomba no início dos anos 1980 para evitar o processo
de abertura política implementado pelo então presidente Ernesto Geisel.
O
ex-delegado também afirmou que, mesmo após o fim da ditadura e do aparato de repressão à luta armada, continuou a receber ajuda
financeira até 2005 por parte da comunidade de informação montada
pela Oban.
Ele disse ter prestado serviços ao SNI de 1973 até a extinção do
órgão, em 1985, e que foi indicado pelo então procurador da
República no Espírito Santo, Geraldo Abreu, que o teria apresentado
ao coronel Fred Perdigão (Exército) e ao comandante (Antonio) Vieira do Centro de Informações da Marinha (Cenimar).
“Eu
tive várias vezes em São Paulo, primeiro na qualidade de executor.
Nós saíamos sem saber quem era, sem saber por que, não sabíamos nada”,
afirmou Guerra ao relatar que não tinha informações sobre as
pessoas que teria de executar nas operações. Segundo ele, somente
depois de uma “investigação” que confrontou datas e locais onde
teria executado militantes com informações sobre mortos e
desaparecidos na ditadura é que ele conseguiu identificar algumas de
suas vítimas.
“Dois
em Moema, um na Angélica um, depois um no Paço da Pátria, já nos
anos 80, mas este, depois fui saber, não tinha nada a ver com a
repressão, era um desafeto do coronel Perdigão. Cumpri esta missão.
O jornal O Estado de São Paulo fui eu que explodi. Eu fui
arregimentado para ser executor e aí cresci nas graças do SNI,
porque o trabalho era feito direito, e passei a estrategista.
Participei de ações também no Recife e em Minas”, disse.
Segundo
Guerra, nas operações não eram informados os nomes das pessoas que
seriam executadas, nem o motivo, só o local onde estariam. Depois
do início do processo de abertura, em 1979, já como estrategista,
Guerra afirma ter cometido atentados montados para incriminar os
opositores ao regime militar e impedir a abertura política.
“E
aí teve uma série de atentados, banca de revistas, o jornal (Estadão), fui eu que montei, levei um carro daqui e a
bomba foi montada num galpão em São Paulo”, disse.
Ele
afirmou à comissão nunca ter participado de sessões de tortura.
“Fui muito no Deops, mas nunca participei de interrogatório. Da
tortura eu nunca participei. Execução eu achava que era um ato de
guerra” , disse.
O ex-delegado também afirmou que as principais
“lideranças” do esquema de repressão foram o delegado Fleury e
o coronel Ustra. Segundo ele, Romeu Tuma, delegado da Polícia Civil e
diretor geral do Dops paulista entre 1977 e 1982, “acabou com todo o
arquivo” que havia de registros das operações de repressão.
Ele
também disse que opositores à ditadura que atuavam em São Paulo
foram torturados e mortos em operações na chamada Casa da Morte, um
centro de tortura que funcionou em Petrópolis, no Rio de Janeiro, como o casal de
professores da Universidade de São Paulo Ana Kucinsky e Wilson
Silva. O ex-delegado afirma ter levado os corpos de Ana e de Wilson
da Casa da Morte para serem incinerados na Usina Cangaíba, de cana
de acúçar, em Campos (RJ)
De
acordo com Natalini, este foi o primeiro depoimento colhido na
comissão de alguém que não é vítima da repressão. Segundo o vereador, o
depoimento foi esclarecedor sobre ocorrências como a da chacina da
Lapa e sobre o incineramento de cadáveres pelo esquema de repressão.
O
vereador disse que, junto com as comissões da verdade estadual e
federal, pretende trazer o ex-delegado, que mora em Cariacica, para prestar informações em São Paulo sobre outras pessoas que
teriam participado de operações de repressão.
Natalini também informou que a comissão pretende ouvir depoimentos do
ex-ministro Delfim Netto, do delegado Aparecido Laertes Calandra,
apontado como torturador por presos políticos durante a ditadura, e do
coronel Ustra.
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