quarta-feira, 24 de abril de 2013
Acórdão do mensalão tem 1.336 supressões
Por Cristine Prestes e Juliano Basile
As 8.405 páginas do acórdão do mensalão publicado ontem no "Diário de
Justiça" eletrônico suprimiram 1.336 manifestações dos ministros do
Supremo Tribunal Federal (STF) feitas durante as 53 sessões de
julgamento da Ação Penal nº 470, que durou de 2 de agosto a 17 de
dezembro do ano passado. Ao longo do texto que contém a decisão da Corte
pela condenação de 25 dos 39 réus no processo, a palavra "cancelado" é
recorrente, indicando que, a pedido dos próprios ministros, algumas de
suas falas foram excluídas.
O ministro que mais retirou falas do texto do acórdão foi o decano do
Supremo, Celso de Mello. No caso dele, foram 805 as manifestações feitas
durante as sessões de julgamento do mensalão que foram suprimidas do
acórdão. Em seguida vem o ministro Luiz Fux, que retirou do texto final
519 de suas manifestações durante o julgamento - praticamente todas que
ele fez ao longo do julgamento.
Num debate sobre lavagem de dinheiro, Fux apagou a fala em que defende
que, ao alegar um álibi, o réu tem que prová-lo. Ele também retirou a
alegação de que o ex-deputado José Borba (PMDB-PR) teria cometido uma
"lavagem deslavada" e ainda quando disse que o simples ato de comprar um
carro ou uma joia já pode ser caracterizado como lavagem de dinheiro.
"O uso do dinheiro é, sim, lavagem de dinheiro", disse Fux no ano
passado. O texto não aparece no acórdão publicado.
A primeira supressão de Fux no texto já acontece em sua manifestação
inicial no plenário da Corte durante o julgamento do mensalão. Após uma
questão de ordem levantada pelo advogado Márcio Thomaz Bastos, que
defende o ex-diretor do Banco Rural, José Roberto Salgado, os ministros
passaram a debater o pedido de desmembramento do processo do mensalão,
para que o Supremo julgasse apenas os três réus com foro privilegiado à
época - João Paulo Cunha (PT-SP), Pedro Henry (PP-MT) e Valdemar Costa
Neto (PR-SP). Depois do voto da ministra Rosa Weber, então a mais nova
na Corte, foi a vez de Fux votar - o ministro fez uso da palavra e
proferiu seu voto, mas ele não aparece no acórdão publicado, pois todas
as cinco falas do ministro nessa parte inicial do julgamento foram
suprimidas, aparecendo a palavra "cancelado" após seu nome.
Fux também retirou do acórdão um debate que travou com o revisor do
mensalão, ministro Ricardo Lewandowski. Nele, Lewandowski fez uma
comparação entre o mensalão e as punições na Lei Seca e Fux fez a
seguinte intervenção: "É interessante a hipótese, mas, pelo menos aqui,
nós não estamos num "happy hour'". Em seguida, Lewandowski responde que o
tribunal estaria numa "sad hour" (hora triste). O revisor manteve as
suas intervenções nesse trecho, mas Fux retirou-as. Assim, a menção
feita por ele sobre a "happy hour" foi suprimida.
Em vários momentos, a retirada das intervenções dos ministros Celso de
Mello e Luiz Fux transformou trechos do acórdão em incógnitas. Na página
4.139, por exemplo, há um diálogo entre ambos em que só é possível ler o
nome dos ministros, pois o conteúdo está com a tarja "cancelado". Em
outras situações, a supressão das intervenções torna os debates sem
sentido para quem lê o acórdão. Num trecho, o então presidente do STF,
Carlos Ayres Britto, pergunta a Fux se ele julga procedente a ação
quanto a três réus. Na resposta de Fux, aparece apenas a palavra
"cancelado". Em seguida, Britto questiona Fux se um réu "podia deixar de
não saber" a respeito de um crime. Novamente, a resposta está
cancelada.
Em outros trechos, a retirada das intervenções é meramente protocolar e
não prejudica a leitura do acórdão. Celso de Mello retirou uma parte em
que explica que a ministra Cármen Lúcia poderia votar uma questão - a
pena de evasão de divisas a Ramon Hollerbach, ex-sócio do publicitário
Marcos Valério - mesmo não estando presente no momento em que a Corte
discutia o assunto. Segundo o decano do tribunal, a ministra poderia
votar assim que chegasse. A resposta do ministro foi direcionada a uma
questão levantada por Lewandowski, que havia pedido a todos os ministros
para aguardar o retorno de Cármen Lúcia para votar a questão. A
pergunta de Lewandowski está no acórdão. A resposta de Celso de Mello
foi retirada, mas não é essencial à compreensão do ocorrido.
Celso de Mello informou, através da assessoria do STF, que as supressões
não alteram o resultado do julgamento. Segundo a assessoria, o ministro
fez cancelamentos de trechos por uma razão prática: o prazo previsto no
regimento do STF para a publicação do acórdão já havia sido
ultrapassado em quatro dias, de modo que o ele optou por liberar o voto,
retirando as intervenções feitas ao longo de vários debates. A
assessoria do STF informou ainda que a supressão de trechos é possível
quando o ministro não é o relator nem o revisor de um processo e também
quando não se trata do primeiro a proferir um voto divergente. Como não
cumpriram nenhuma dessas funções, Celso de Mello e Fux cancelaram partes
que não estavam obrigados a manter. Os trechos cancelados são os
chamados "votos de adesão", em que um ministro adere à tese levantada
por outro.
Já o ministro Fux informou por assessores que retirou as intervenções
que estariam repetidas e, portanto, poderiam levar a um aumento
desnecessário no número de páginas do acórdão. Ainda segundo o gabinete
de Fux, a íntegra dos debates pode ser obtida na página da TV Justiça no
YouTube.
Os demais ministros do Supremo retiraram um número muito menor de falas
do texto do acórdão do que Celso de Mello e Luiz Fux: Dias Toffoli
retirou seis, Gilmar Mendes, três; Ayres Britto, duas; e Ricardo
Lewandowski retirou apenas uma de suas manifestações. Os demais
ministros mantiveram no texto todas as suas falas.
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