Facebook, o ‘fast-food’ do pensamento
Por Marcelo Jorge Moraes Rio em 28/05/2013 na edição 748
Outro dia, decidi entrar no Orkut mesmo sabendo que há tempos ele não passa de um grande deserto virtual. Ao visitar comunidades e ler alguns tópicos, senti uma certa tristeza por ver que uma rede social muito mais interessante que o Facebook foi abandonada não porque se tornou obsoleta, mas porque alguns ditadores do que é moda (até na internet eles mandam), num dado momento sentenciaram que a “onda a partir dali seria migrar para o Face”.
A esta altura, os menos avisados já devem ter concluído: “Ah, isso é papo de velho que sempre diz que na sua época tudo era melhor”. Cabe, então, um esclarecimento: Facebook e Orkut foram criados exatamente no mesmo ano: 2004. Sabe-se lá por qual motivo, o Orkut logo virou febre por aqui, com direito até a dezenas de matérias que tentavam explicar seu sucesso. Enquanto isso, o Facebook era um total desconhecido para a imensa maioria dos internautas brasileiros.
Durante quatro, cinco anos, o Orkut reinou absoluto por aqui. Milhões de pessoas acessavam-no o dia todo para trocar ideias e para isso contavam com comunidades específicas para abordar o assunto que cada um queria tratar. É bem verdade que em muitas comunidades nada se aproveitava, mas em outras havia uma real troca de ideias que iam desde debates mais sérios até simplesmente o ato de jogar aquela deliciosa conversa fora sobre cinema, música etc. O grande barato é que assim que você postava uma opinião ou criava um tópico, logo vinham respostas de várias pessoas que tiveram o interesse de ler o que você escreveu, algumas concordavam outras não, mas o mais importante era que você passava o que pensava e tinha gente disposta a ler.
Solidão e ociosidade
Da mesma forma que o Orkut virou moda do nada, há dois ou três anos foi a vez do Facebook virar mania nacional, só que dessa vez de maneira imposta. Como o Orkut tinha se popularizado demais, algumas pessoas com ar blasé passaram a difundir que moderno mesmo era entrar no Face. Relutei muito para aderir a essa rede social, mas, para não ser do tipo “Não vi e não gostei”, decidi entrar. No começo acessava muito pouco. Preferia o Orkut, mas com o tempo passei a frequentá-lo mais e para minha decepção percebi que ele é um retrocesso espantoso em termos de ferramenta de comunicação, mas que vem bem a calhar com o momento em que vivemos, quando as pessoas não querem perder tempo para pensar e escrever, muito menos para ler algo que tenha mais do que duas linhas.
No Facebook, quase todo mundo “entende de política” e para mostrar isso colocam imagens com uma mensagem curta e uma foto de um político ou de algo errado. Muitas vezes a curta mensagem conta uma mentira gigantesca, mas para os facebookianos a verdade é só um detalhe irrelevante; importante mesmo é saber quantos curtirão o seu “comentário”. Se Goebbels, mestre da propaganda nazista, vivesse nos dias atuais, poderia adaptar seu pensamento de “Uma mentira repetida mil vezes se torna verdade” para “Uma mentira compartilhada no Facebook se torna verdade e com muito mais rapidez!”
A rede social do momento também é responsável pelo curioso fenômeno do torcedor virtual “ultrafanático”. Nada contra comemorar uma grande vitória ou tirar aquele sarro do torcedor rival (convenhamos, é gostoso), mas tem gente que posta 40, 50 vezes a mesma coisa. Não adianta explicar a essas bizarras criaturas que após a 2º imagem as pessoas não lerão mais, simplesmente passarão batido. A solidão e a ociosidade são tão grandes que eles querem chamar a atenção. Sem perceber, tornam um momento de alegria deles que poderia ser comemorado com amigos num bar ou em casa com a família em algo tedioso e deprimente.
Tsunamis de futilidades
Por falar em deprimente, muita gente acredita que frases curtas de autoajuda serão milagrosas e trarão conforto e paz a quem está sofrendo. Novamente, não se dão ao trabalho de criar nada, apenas bombardeiam com todo tipo de mensagem pseudopositiva. A intenção pode ser boa, mas a forma está errada, pois ninguém que está com um grave problema ficará bem porque leu uma frase de duas linhas. Nada contra compartilhar fotos/mensagens engraçadas ou importantes. Muitas vezes vêm bem a calhar, assim como uma citação em um artigo, mas é temerário imaginar que alguém só possa se expressar dessa forma em uma rede social, que não sinta vontade de dizer o que pensa ou sente. Afinal de contas, o que é mais satisfatório: saber que alguns amigos curtiram o que você realmente escreveu ou a frase pronta de algum figurão que você simplesmente pegou?
Nada contra, também, os que querem utilizar o Facebook apenas como passatempo, mas até nesse caso é preciso bom senso para não poluir visualmente as páginas dos amigos com dezenas de imagens seguidas. Comparando a troca de ideias que o Orkut proporcionava em muitas de suas comunidades com o que vemos no Facebook é inegável chegarmos a conclusão de que o Face foi um retrocesso em termos de comunicação na internet. Da mesma forma que uma grande rede de lanchonetes serve seus fast-foodspara encher a barriga dos clientes com alimentos sem qualidade, o Face serve para encher a cabeça com frases prontas e sem conteúdo. A diferença é que no caso da rede de lanchonetes não são os usuários que fazem os lanches nada saudáveis; apenas os consomem. Já no Facebook, muitos usuários (não todos, por favor) fazem e consomem a porcaria.
Não poderia terminar o texto deixando uma lacuna em aberto, afinal de contas o que ocorreu com aquele mundo de gente que gostava de passar suas próprias ideias no Orkut? Foram abduzidos por ETs? Tomaram um chá de Amazônia e estão vendo o mundo sobre outra perspectiva? Não, nada disso, muitos após entenderem como funcionava o Facebook, simplesmente abandonaram os debates na internet, os que migraram e ainda continuam se dividiram em dois grupos: o dos conformistas, que se adaptaram rapidamente à artificialidade da comunicação, e o dos corajosos, que ainda resistem bravamente tentando postar links, informações e ideias importantes, mesmo cientes que na maioria das vezes elas serão engolidas pelos tsunamis de futilidades.
Aguardemos uma nova rede social, onde as pessoas possam realmente fazer o poderoso uso de suas próprias palavras. Utopia? Provavelmente.
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Marcelo Jorge Moraes Rio é professor universitário e jornalista
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