Rebeliões de Junho: um mês sem fim
publicada quarta-feira, 26/06/2013 às 04:02 e atualizada quarta-feira, 26/06/2013 às 04:59
por Rodrigo Vianna
A velocidade é assustadora e ao mesmo tempo fascinante. As “Rebeliões de Junho” – um dia talvez elas sejam chamadas assim – mudam de significado dia após dia. O que apenas reforça a tese de que o ganhador não está definido – de saída. A história se escreve agora nas ruas, mais do que nas redes ou nos gabinetes. E isso me faz lembrar o que dizia um velho professor marxista, com quem eu tinha até várias discordâncias: “os líderes políticos fazem muitos discursos, os intelectuais escrevem demais, mas a História se escreve mesmo é na ponta das baionetas” (Edgard Carone).
No Brasil de junho de 2013, não chegamos às baionetas. Mas a história se escreve com a sola dos sapatos de quem vai às passeatas. E com a inteligência de quem consegue ler rapidamente os movimentos que se alternam. Vejamos. As manifestações, de início, ganharam as grandes cidades brasileiras com uma pauta de “esquerda” muito específica: transporte mais barato. A direita ficou atônita? Jabores e Geraldos pareciam perdidos, e na dúvida saíram batendo (a PM paulista atuou de forma inacreditável na quinta, dia 13 de junho). Parte do petismo também se confundiu: quem são esses meninos provocadores? Sinal de esclerose dos velhos atores…
Em seguida, os conservadores mais inteligentes perceberam a janela de oportunidade: a rua podia colocar Dilma e o PT em xeque. E isso se fez. Na quinta (dia 20), a esquerda foi chutada da avenida Paulista, numa manifestação que deveria ser do MPL para comemorar a redução das tarifas. Mas o MPL perdera a tal hegemonia. A Globo havia encampado as manifestações – como “grande festa cívica”. Abaixo os partidos era o lema. E queria dizer, basicamente: “abaixo o PT”, e “abaixo a esquerda”. Parecia anunciar a vitória inexorável da direita.
Não. Movimentos sociais se articularam, sindicatos e partidos aprontaram o contra-ataque. E a maioria silenciosa já desconfiava de certa minoria que tentava botar fogo no país. Na sexta (21 de junho), o MPL ameaçou sair das ruas. Depois voltou atrás. Idas e vindas. Mervais e outros que tais também estavam confusos.
Na segunda (24) era Dilma que recuperava a iniciativa. Foi só há dois dias, mas parece há muito tempo! A presidenta “escutou o clamor das ruas” e, em vez de se sentir acuada, trucou: ok, vamos à Reforma Política. Escolheu a Constituinte, que foi logo contestada por uma direita apavorada com o destemor da presidenta.
Chegamos a 25 de junho. Dilma recua: deixemos Constituinte pra lá. Derrotada? Não. A bomba segue no colo dos peemedebistas que controlam o Congresso e nas mãos da oposição que agora teme as ruas: está certo, não há acerto para uma Constituinte, mas Plebiscito se fará – disse o governo. E assim abre-se a porta para a Reforma Política. Pauta do PT e da esquerda.
Quer dizer que os conservadores perderam? Também não. Muito cedo para dizer.
No Brasil, agosto (com Janio e Vargas) costuma ser “o mais cruel dos meses”. Mas junho, a partir de 2013, passa a ser o mais longo… Cinco dias parecem uma eternidade.
Quem vai definir a pauta da Reforma que se desenhará? O povo, num Plebiscito. Quais os pontos defendidos por PT, Dilma e boa parte do campo lulista? Financiamento público de campanha e voto em lista para o Legislativo (o que fortalece os partidos; e fortalece sobretudo o PT).
Mas quem disse que a pauta do PT vai ganhar no Plebiscito?
Uma coisa é o povão ter escolhido Lula e Dilma (2006 e 2010), mesmo sob intenso bombardeio da velha mídia. Outra coisa é aprovar uma Reforma que pode ser “carimbada” como “petista”.
Esperem para ver. Em 2 ou 3 dias, JN da Globo, comentaristas, colunistas, radialistas… a tropa midiática estará contra-atacando:
- “financiamento público é entregar dinheiro do povo pros políticos” (como se financiamento privado de campanha não fosse uma fonte de corrupção tremenda, a transformar mandatos em centros avançados de defesa de interesses privados – vimos bem na MP dos Portos);
- “voto em lista é cassar o direito do povo escolher seu representante, é abrir caminho pra ditadura dos partidos, ou seja, ditadura do PT, chavismo, etc e tal”.
2006 e 2010 mostraram que a pedra que bate no centro do lago (ali está a velha classe média “formadora de opinião”) não faz mais a onda chegar às margens (onde está o povão beneficiado pelos anos de lulismo). Isso garantiu vitórias de Lula e Dilma. Mas e o PT?
A Reforma Política, se for carimbada como “reforma do PT”, estará derrotada. Precisa ser a reforma do povão. Ampla, democrática.
A velha mídia, que Lula e Dilma evitaram confrontar, terá força para pautar a Reforma Politica? Talvez sim. Os dois pontos que o PT e aliados devem encampar estão na contramão da campanha fortíssima que – a partir da velha mídia – espraiou-se pelas redes sociais e pelas ruas, transformando os “políticos” em fonte de todo o mal durante as rebeliões de junho. Poder financeiro? Corruptores do sistema político? Isso não existe.
A despolitização dos últimos 10 anos torna difícil ganhar esse jogo. Claro que a massa trabalhadora ainda confia em Lula e Dilma. Mas os filhos da massa trabalhadora (jovens da tal Classe C), somados à velha classe média anti-trabalhista e anti-Estado, podem adotar a pauta pós-moderna e conservadora: voto distrital (“um deputado pertinho de você” – vejam que slogan fácil), candidatos avulsos sem partido (Joaquim Barbosa e outros aventureiros estão preparados para avançar no vácuo) e financiamento privado (afinal, o que vale é o esforço de cada um, viva a iniciativa privada!).
Dilma virou o jogo, provisoriamente. Mas a batalha será longa. Não adianta Dilma dizer que “basta trocar de canal”. O canal é um só: “abaixo os políticos”, “abaixo os partidos”, “viva a força do gigante que acordou”. Se essa pauta prosperar, o Plebiscito terá virado a favor da direita.
Como desfazer essa pauta? Com Política e disposição para enfrentamento. Dilma e Lula precisam acreditar: o tempo dos acertos de gabinete acabou. O arranjo lulista acabou. Nesse campo, é mais fácil o PMDB se acertar com a Globo, com o PSDB e o DEM para aprovar o voto distrital.
O arranjo lulista acabou, mas a Era Lula (goste ou não Serra) não está encerrada. A esquerda e o que sobrou de um PT combativo podem ganhar a batalha se entenderem que a história hoje se escreve na rua. Sem voluntarismo, sem arrogância.
Os tempos são outros. São tempos das “rebeliões de junho”. Um dia elas estarão nos livros de história. Por enquanto são história a se fazer.
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