“Não adianta dar bônus para a polícia se não temos armas.”by bloglimpinhoecheiroso |
Um sargento da PM falou com o Diário sobre a crise na segurança pública em São Paulo e expôs o modo de viver e pensar da corporação.
Kiko Nogueira, via Diário do Centro do Mundo
O
bônus semestral que Geraldo Alckmin anunciou que quer dar aos policiais
foi criticado unanimemente pelas entidades de classe. A iniciativa, que
faz parte do programa São Paulo Contra o Crime, prevê que quem
conseguir bater a meta em sua área de atuação ganhará entre R$4 mil e
R$10 mil. Os presidentes dos sindicatos preferem, compreensivelmente,
aumento de salário.
Alckmin
está vivendo, e não é de hoje, um inferno astral na segurança pública:
na capital, o número de vítimas de homicídio doloso cresceu de 37,3% (de
91 em fevereiro para 125 em março), uma alta de 26,2% em comparação com
dados do mesmo período do ano passado. As ocorrências durante a Virada
Cultural expuseram um pouco mais o problema.
O que acontece com a polícia? O Diário
conversou com o sargento PM Fernando C. Ele tem 49 anos, é divorciado e
pai de cinco filhos. “O bônus é uma mágica do governo. Falta
treinamento, falta mudar a metodologia, falta gente, faltam armas. A PM
não tem condições de trabalho”, disse. Fernando pintou um quadro que
revela o modo de pensar e de viver da PM e ajuda a explicar o momento
que São Paulo atravessa.
Não
adianta dar bônus ou colocar mais viaturas nas ruas. O Alckmin está
perdido. Isso não é solução. Tem carros demais para pouco efetivo.
Dentro da polícia, a orientação é a seguinte: o soldado atende a
ocorrência que achar que der. Se não der, ele simplesmente não atende.
Muitas
viaturas têm apenas um PM. São as viaturas “solitárias”. A população vê
um carro da polícia e acha que está tudo bem. Não está. Um PM não
resolve nada. A pergunta que se faz é: quem não tem segurança faz
segurança para quem? Como eu vou proteger alguém se não sou protegido?
Quando o PCC resolve fazer um “salve geral” [sair às ruas para executar policiais],
os primeiros a morrer são os das “solitárias”. O comando avisa que vai
ter isso, vai ter aquilo, mas não explica por que e nem o que vai
acontecer.
Temos
cerca de 80 mil homens distribuídos em 645 municípios no estado. A
falta de material é absurda. É uma luta desigual. Durante muito tempo, a
PM usava revólver 38 contra o crime, quando ele ainda não era
organizado. Atualmente, as armas são calibre .40, enquanto os bandidos
usam submetralhadora.
A
PM prendia um cara e o apresentava na delegacia. Enquanto o policial
estava terminando de preencher o boletim de ocorrência, o cara estava
passando atrás dele, indo embora, depois de subornar o delegado. O
raciocínio ficou o seguinte: já que tem acerto, eu mesmo acerto na rua.
“Se eu não fizer isso, alguém vai fazer”, eles pensam. Funciona assim.
A
corrupção corre solta: o policial toma R$50,00 de um bandido para
soltá-lo, mas o delegado pega R$5 mil. Os PMs estão percebendo que, já
que existe roubo, é melhor eles mesmos roubarem.
Quando
o policial puxa o gatilho, ele não puxa sozinho. Eu já torturei. Uma
vez, no Pico do Jaraguá, eu segurei um cara com a mão esquerda, à beira
de um morro. Falei para ele imaginar que estivesse voando. Eu apontava
para um passarinho e dizia que ele podia se salvar se soubesse voar. Ele
não voou… Deu a informação que eu queria, nós pegamos as drogas e fomos
à delegacia, mas percebemos que era entregar o ouro pra outro bandido.
Por isso você vê investigador de Audi X-3, viajando para a Europa etc.
Eu
nunca matei ninguém. O máximo que faço é o furinho, mas quem mata é o
Senhor. Nesse sentido, já fiz furinho em um monte de gente. Já levei um
monte de balas também. Dá última vez passei vários dias numa UTI, com
quatro tiros. Ao sair do hospital, para minha surpresa, encontrei um dos
que atiraram em mim. Eu disse a ele: “Fica calmo, nada vai acontecer a
você agora, mas nós vamos acertar nossas contas”. Tive apoio dos
companheiros para saber onde ele morava. Tirei-o de lá e cumpri o que
havia lhe prometido.
Às
vezes contamos com a ajuda do médico. Tem um hospital na Lapa em que um
médico perguntava: “Polícia ou bandido?” “Polícia!”, ele atendia
rapidinho. Se fosse bandido, ele demorava, mexia no pneu do carro e em
outras coisas sujas e verificava a profundidade do disparo com o dedo.
Se o cara morria de infecção, paciência. Afinal, ele teve assistência.
Esse médico fazia uma seleção natural.
Quando
Erasmo Dias era secretário de Segurança Pública de São Paulo, havia um
boletim dizendo que o policial que “derrubasse” um bandido tinha 15 dias
de dispensa. Eu fiquei seis meses em casa. Fui para a Bahia e foram as
melhores férias da minha vida. Hoje, se você bater no cara, vai preso.
Se não bater, vai preso também.
Toda viatura tem um recruta para fazer o serviço sujo. Ele se enquadra no artigo 50 do Código Penal Militar [que diz que o menor de 18 anos é inimputável].
O rapaz acha que está na viatura porque gostam dele, mas é para ele
poder matar sem problema. Chamamos isso de “quebrar o cabaço do
recruta”.
A
polícia deveria ser treinada em contraguerrilha urbana, como na época
do Lamarca. Hoje, vivemos uma época de emburrecimento. Tem três ou
quatro psicólogos mandando desenhar árvore, gato… Aquela pessoa que está
pintando uma vaca tem 30 anos de profissão. Em vez de contribuir para
subir o moral da tropa, o efeito é oposto.
Uma
das máximas da PM é que todo “paisano” é babaca. Quer dizer, quem não é
policial é babaca. E isso é dito abertamente entre nós.
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