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Os tucanos queriam vender a Petrobras por menos de 50% do preço do passe de Neymar.
Saul Leblon, via Carta Maior
No seminário dos dez anos de governo do PT, realizado na terça-feira, dia 14, em Porto Alegre, o ex-presidente Lula fez uma ponderação interessante: “Quando você ficar em dúvida, feche os olhos, imagine o que seria o Brasil de hoje sem os dez anos de governo do PT.”
Um bom começo é imaginar que José Serra venceu as eleições em 2002 e seria reeleito em 2006, fazendo o sucessor em 2010.
Nesse Brasil imaginário, caso a Petrobras ainda resistisse, reservas imensas de petróleo seriam descobertas em 2009. A 6 mil metros abaixo da superfície do oceano, o Brasil seria premiado com uma poupança equivalente a 50 bilhões de barris. As maiores descobertas de petróleo do século 21.
O que Serra faria com elas não é preciso imaginar.
Basta reler despachos de dezembro de 2009, da embaixada norte-americana no Brasil, revelados pelo WikiLeaks. Matéria da Folha de S.Paulo, de 13/12/2010, transcreveu o teor desses documentos. Neles, o tucano explicita as consequências para o Brasil, caso as urnas de 2010 transformassem em realidade o país imaginário proposto por Lula.
Trechos da matéria da Folha intitulada “Petroleiras foram contra novas regras para pré-sal”.
“Segundo telegrama do WikiLeaks, Serra prometeu alterar regras caso vencesse. Assessor do tucano na campanha confirma que candidato era contrário à mudança do marco regulatório do petróleo (realizada por Lula).
As petroleiras norte-americanas não queriam a mudança no marco de exploração de petróleo no pré-sal que o governo aprovou no Congresso, e uma delas ouviu do então pré-candidato favorito à Presidência, José Serra (PSDB), a promessa de que a regra seria alterada caso ele vencesse.
“Deixa esses caras [do PT] fazerem o que eles quiserem. As rodadas de licitações não vão acontecer, e aí nós vamos mostrar a todos que o modelo antigo funcionava… E nós mudaremos de volta”, disse Serra a Patrícia Pradal, diretora de Desenvolvimento de Negócios e Relações com o Governo da petroleira norte-americana Chevron, segundo relato o telegrama (NR: enviado da embaixada dos EUA no Brasil ao Departamento de Estado, em Washington).
O texto diz que Serra se opõe ao projeto, mas não tem “senso de urgência”. Questionado sobre o que as petroleiras fariam nesse meio tempo, Serra respondeu, sempre segundo o relato: “Vocês vão e voltam.”
A mudança no marco regulatório do pré-sal, que Serra prometia reverter, restituiu à Petrobras o controle integral de todo o processo de extração, refino e comercialização, esfarelado em 1997, quando o PSDB rompeu o monopólio. Desde então, a exploração passaria a ser regida pelo modelo de concessão em que a empresa vencedora dos campos licitados se torna a proprietária soberana de todo o óleo. Em síntese, o Estado deixa de exercer qualquer controle sobre o processo.
No modelo de partilha do pré-sal, que teve oposição virulenta do conservadorismo, a Petrobras ganhou duas vantagens: será a operadora exclusiva dos campos e terá, no mínimo, 30% de participação nos consórcios que exercerem a exploração.
O óleo extraído será dividido com o País. A presença direta da Petrobras impedirá manipulações. Mais importante que tudo: a estatal definirá o ritmo da extração, de modo a viabilizar a pedra basilar do novo marco regulatório.
A regra de ouro consiste em tornar o pré-sal uma alavanca industrializante, capaz de deflagrar um salto de inovação no parque fabril brasileiro. Cerca de 60% a 70% dos bens e equipamentos requeridos em todo o ciclo de exploração terão de ser adquiridos de fabricante local.
O fracasso desse modelo conta com uma poderosa torcida incrustada em diferentes setores da economia, da política e da mídia. Local e internacional.
O Brasil que Lula convida a especular felizmente não aconteceu. Mas seus atores potenciais não desistiram de protagonizá-lo. Um fiasco da Petrobras no pré-sal é tido por eles como o atalho capaz de materializar a relação de forças que as urnas descartaram em 2002, 2006 e 2010.
Na quinta-feira, dia 9, o arguto José Serra reafirmou essa esperança em um artigo no Estadão em que reitera a incompatibilidade histórica do PSDB com o petróleo brasileiro. Trata-se de uma espécie de atualização histórica do antagonismo entre a UDN e o desenvolvimentismo.
O texto sugere o nome de Lula ao Guinness World Records. Motivo: o ex-presidente teria empurrado a Petrobras a uma situação de pré-insolvência, entre outras razões, por ter modificado a regulação herdada do PSDB, no caso das reservas do pré-sal.
Trechos do artigo de Serra, publicado na edição de 9/5/2012 do jornal:
“Em palestra recente afirmei que o ex-presidente Lula mereceria pelo menos três verbetes no Guinness World Records. O primeiro por ter levado à pré-insolvência a Petrobras, apesar de ser monopolista, a demanda por seus produtos ser inelástica, os preços internacionais, altos e as reservas conhecidas, elevadas. Fez a proeza de levar a maior empresa do País à pior situação desde que foi criada, há 60 anos. Promoveu o congelamento de seus preços em reais, instaurou uma administração de baixa qualidade e conduziu a privatização da estatal em benefício de partidos e sindicatos, com o PT no centro. Esse condomínio realizou investimentos mal feitos e/ou estranhos, sempre a preços inflados; queimou o patrimônio da Petrobras na Bolívia; promoveu previsões irrealistas sobre o horizonte produtivo do pré-sal e fulminou, para essa área, o modelo de concessão, trocando-o pelo de partilha, que exige da empresa ampliação de capacidade financeira, administrativa e gerencial impossível de se materializar”.
O tucano causou frisson na rede conservadora, recebendo rasgados elogios daqueles que o consideram dotado de um tirocínio econômico privilegiado. Três dias depois de sepultada no mausoléu dos grandes fracassos nacionais, a Petrobras ressuscitou no noticiário.
O mármore da lápide onde o coveiro tucano gravou seu artigo do Estadão dissolveu-se, então, sob o peso de US$11 bilhões. A montanha de dinheiro foi captada no mercado internacional com a venda de seis tranches diferentes de títulos da Petrobras, com vencimentos variáveis que se estendem até 2043. A demanda dos investidores internacionais teria alcançado US$40 bilhões, excesso que a estatal declinou.
Os maiores bancos e fundos internacionais negligenciaram a perspicaz avaliação do PSDB e de seu eterno presidenciável sobre a higidez presente e futura da Petrobras, do Brasil e do modelo de extração do pré-sal, que lastreia papéis com horizonte de vencimento de até 30 anos.
Não só. Na terça-feira, dia 14, infelizmente pelo modelo de concessão ainda vigente em áreas externas ao pré-sal, dezenas de empresas se apresentaram para arrematar campos leiloados pela Petrobras em diferentes regiões brasileiras. O investimento previsto é de R$7 bilhões.
O que evidencia esse exercício frugal de rememoração, inspirado no convite de Lula, é a frivolidade quase caricatural com que o PSDB e seus ventríloquos torturam as palavras “desastre”, “fracasso” e “crise”, de modo a vesti-las no País e num governo, cujos flancos existem. Mas, por certo, não serão aqueles diagnosticados por Serra; e tampouco passíveis de superação com a receita conhecida dos herdeiros do udenismo.