Eleicoes2014_Terrorismo
O boato sobre fim do Bolsa Família não é o primeiro – e certamente não será o último – a arrepiar o Brasil. Nos tempos da inflação alta havia o “boato da quinta-feira”, como classificou Delfim Netto. A intenção era criar cenário para a especulação. Hoje, espalha-se na mídia tradicional que o desemprego ronda a economia, mas na verdade houve a criação de 200 mil novas vagas no mês de abril. Jornais e tevês propagandeiam disparada da inflação, mas taxa de 6,49% para os últimos 12 meses a coloca na meta. Em 1989, Lula foi carimbado como futuro sequestrador da poupança, porém o gesto foi praticado por Fernando Collor. Em 2010, Fernando Haddad viu-se alvo de um disparo virtual de um colaborador da campanha de José Serra, segundo o qual o Enem seria cancelado. A multiplicação da mentira sobre fim do Bolsa Família indica padrão do que será usado contra a reeleição de Dilma Rousseff: baixaria, confusão e risco às instituições. Boatos e rumores, afinal, são primos de atentados e violência.
Brincar com o fogo dos boatos, mexer com os ânimos de multidões e colocar instituições em risco nunca deixaram de ser hábitos da política brasileira. A julgar pela desinformação jogada nas redes sociais, na sexta-feira, dia 17, de que o governo iria suspender, de imediato, os pagamentos do programa Bolsa Família, esse jogo deletério continua vivo, forte e em plena operação. A 17 meses das eleições presidenciais de outubro do próximo ano, o que se viu agora pode ter sido a repetição de um filme que tende, infelizmente, a não sair de cartaz até a hora do voto numa disputa que já se anuncia polarizada entre uma aglutinação de partidos de esquerda em torno da presidente Dilma Rousseff e seus adversários no canto oposto do ringue ideológico.
Na primeira eleição do Brasil pós-ditadura militar, em 1989, o então candidato Lula teve de se defender, em grande parte da campanha, desse adversário invisível. Correu de boca em boca, não se sabe a partir de qual ponto inicial, que Lula iria sequestrar a poupança dos brasileiros. Na verdade, o gesto foi praticado, no primeiro dia de governo, por seu adversário Fernando Collor, que venceu a disputa em segundo turno.
Dois anos atrás, quando escalava rapidamente as taxas de intenção de votos nas pesquisas eleitorais, o hoje prefeito de São Paulo Fernando Haddad foi alvo do mesmo veneno. A partir de um disparo nas redes sociais, espalhou-se na reta final de uma eleição disputada cabeça a cabeça que o exame do Enem estava cancelado. Soube-se, pouco mais tarde, que o boato saíra de um programador terceirizado da campanha do tucano José Serra, mas até que se provasse a origem, todo o ônus dos desmentidos recaiu sobre o governo e a campanha petista.
Boato da quinta-feira
Não é apenas na política que os boatos são usados como arma para a instalação de grandes celeumas. Nos tempos da inflação disparada, na década de 1980, os rumores sobre medidas econômicas radicais eram sempre espalhados num determinado dia da semana, quase todas as semanas. “É o boato da quinta-feira”, divertia-se o ex-ministro Delfim Netto, que passou a desdenhar da insistência com que as informações falsas eram transmitidas.
Mais recentemente, boatos passaram a circular às sextas-feiras, especialmente em Brasília, envolvendo os temas das capas das revistas semanais que circulam aos sábados. Durante o governo Lula, o diz-que-diz-que demolidor sobre escândalos no governo era constantemente assoprado na forma de descobertas espetaculares feitas por jornalistas, ora da revista Veja, ora da concorrente Época, dos grupos Abril e Globo. Mas o volume de rumores sempre foi muito maior do que o da informação verdadeira.
Antes dos boatos, o Brasil, igualmente no período da redemocratização, viveu a fase dos atentados. Para impedir a abertura política, personagens ligados ao regime militar passaram, nos anos de 1980, a incendiar bancas de jornais, em grandes cidades, que vendiam jornais legais de partidos políticos que ainda era clandestinos. Uma carta-bomba, no mesmo período, foi enviada à sede da OAB no Rio de Janeiro, matando a secretária Lídia Monteiro. Durante as eleições para governadores de Estado, em 1982, julho tornou-se um mês de apagões de energia, cujas justificativas técnicas nunca foram apresentadas. Percebe-se, assim, que violência e boatos são primos.
Economia fustigada
Antes do boato sobre o fim do Bolsa Família, o mercado financeiro, dois meses atrás, foi abalado pela circulação de rumores, em torno de um discurso da presidente Dilma no exterior, de que o governo passara a não ter mais interesse em controlar a inflação. O resultado foi uma intensa movimentação especulativa no mercado de juros. Na reunião seguinte do Copom, para discutir a elevação ou não da Selic, o que se viu foi uma subida de 0,5 ponto na taxa, para muitos com relação direta ao boato motivacional.
Há boatos correntes, estampados na mídia tradicional quase todos os dias, sobre a explosão da inflação. O que se vê de verdade, porém, é uma taxa dentro da meta, no mês passado de 6,49% nos últimos 12 meses, segundo o IBGE. Outro boato permanente, que tem servido de base de análise para muitos colunistas da mídia tradicional, especialmente na televisão, e mais particularmente na TV Globo, versa sobre a queda nos níveis de emprego da economia brasileira. O número divulgado por Dilma na segunda-feira, dia 20, no entanto, dá conta de quase 200 mil vagas novas de trabalho tendo sido criadas no mês de abril – e 4,1 milhões desde o início do seu governo. Os rumores, no entanto, são os de que a saúde da economia brasileira está por um fio.
O problema de boatos e rumores é o de que eles têm o poder, muitas vezes, de serem como profecias auto-realizáveis. A corrida aos guichês da Caixa Econômica Federal, no sábado, dia 18, poderia ter acarretado no desastre de saques bilionários, o que afetaria a condição financeira de qualquer instituição. Houve agências em que, com medo de tumultos, os gerentes aceitaram pagar benefícios antecipadamente para não terem as instalações depredadas.
O boato que a presidente Dilma classificou de “absurdamente desumano” e “criminoso” teve apenas uma consequência de verdade: reafirmou a força popular do próprio Bolsa Família, um programa assistencial que teve um embrião tímido no governo tucano de Fernando Henrique, mas que foi dinamizado na gestão de Lula e ampliado na administração Dilma. O povo que correu às agências da Caixa sabe que essa conquista, a depender do resultado das eleições presidenciais de 2014, efetivamente pode ser ameaçada. Até lá, o boato é apenas um boato, já desmentido, e um crime.
Abaixo, notícia da Agência Brasil sobre o início das investigações, pela Polícia Federal, sobre a origem do boato contra o Bolsa Família.
Luciano Nascimento, repórter da Agência Brasil
A Polícia Federal vai investigar a origem dos boatos sobre a suspensão dos benefícios do Programa Bolsa Família. O inquérito foi aberto hoje (20) por determinação do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo.
Após os boatos, a Caixa Econômica Federal registrou 920 mil saques de beneficiários do programa, somente no final de semana. Foram sacados R$152 milhões, informou a Caixa. De acordo com a instituição, o total de saques ocorridos até esta segunda-feira segunda será confirmado amanhã (21), depois de fechar os registros feitos nos terminais de autoatendimento.
A presidenta Dilma Rousseff criticou hoje os boatos em torno do Bolsa Família e assegurou o compromisso do seu governo com o programa. “Queria deixar claro que o compromisso do meu governo com o Bolsa Família é forte, profundo e definitivo”, disse a presidenta durante cerimônia que marcou o início da operação do navio-petroleiro Zumbi dos Palmares, no Porto de Suape, em Pernambuco.
“É algo absurdamente desumano o autor desse boato. Além de ser desumano, ele é criminoso. Por isso colocamos a Polícia Federal para descobrir a origem do boato, que tinha por objetivo levar a intranquilidade a milhões de brasileiros que nos últimos dez anos estão saindo da pobreza extrema”, ressaltou a presidenta da República.