| Guia para entender a vinda de médicos estrangeirosby bloglimpinhoecheiroso | 
Hipocrisia não faz bem à saúde.
Fernando Brito, Tijolaço
É
 absolutamente compreensível que haja resistência da corporação médica à
 contratação de médicos estrangeiros pelo governo brasileiro. Não há uma
 categoria, de qualquer espécie no mundo, que não defenda o seu 
“mercado” de trabalho.
É
 compreensível, também, que a classe média e os mais ricos, que podem 
escolher seus médicos nos grossos caderninhos ou nos CDs dos planos de 
saúde achem que há médico sobrando. Nos grandes centros, para quem pode 
pagar, há, sim.
O que não é compreensível é que, para manter o status quo,
 a gente permita que milhões de brasileiros tenham menos médicos que os 
países mais atrasados do mundo, e isso não é retórica. Ninguém pode 
perder de vista é que saúde é, constitucionalmente, direito de todos. 
Ricos ou pobres, morando ou não em metrópoles.
O site do médico Dráuzio Varela
 publica uma reportagem que é extremamente esclarecedora sobre o 
assunto. E dá informações que estão ausentes da mídia, que prefere 
destacar até supostas dificuldades de comunicação de médicos que falem 
espanhol ou português de Portugal com eventuais pacientes aqui. Seria de
 rir, se não se tratasse do cuidado com a saúde, muitas vezes 
emergencial, de pessoas como eu ou você.
Vamos
 aos argumentos sérios, porque o assunto é sério. Consigo naquele site o
 número de médicos de acordo com o porte de cada município. Nos 5.282 
municípios (ou quase 95% dos municípios brasileiros) com menos de 50 mil
 habitantes, onde vivem, segundo o censo do IBGE, 63 milhões de pessoas, exatamente 29.519 médicos.
Ou seja, apenas 7,8% dos médicos são responsáveis pelo atendimento de um terço dos brasileiros.
O
 que dá um médico para 2.136 pessoas, em média, ou, para usar o índice 
da Organização Mundial da Saúde, 4,7 médicos para 10 mil habitantes.
Vamos ver como é o “padrão Fifa”?
São
 48 médicos na Áustria a cada 10 mil cidadãos, contra 40 na Suíça, 37 na
 Bélgica, 34 na Dinamarca, 33 na França, 36 na Alemanha e 38 na Itália.
Nas
 grandes cidades estamos bem acima disso, com taxas da ordem de 45 ou 50
 médicos por 10 mil habitantes. Mas nosso padrão, nos municípios menores
 – e nem tão menores, têm até 50 mil habitantes! –, é o de Botswana, 
Suriname, Vietnã…
Argumentar
 que a média nacional está acima dos padrões mínimos da OMS é uma 
hipocrisia, porque ninguém é atendido por um “doutor média”, mas por um 
profissional de carne e osso.
Gente
 como o doutor Sérgio Perini, único médico de Santa Maria das Barreiras,
 no interior do Pará, com seus 18 mil habitantes, um rico exemplo 
trazido por Dráuzio Varela.
Perini
 é graduado pelo ISCM/VC (Instituto Superior de Ciências Médicas de 
Villa Clara), em Cuba, com o qual a Faculdade de Medicina da Unesp de 
Botucatu (SP) mantém convênio desde 2002. Trocou sua cidade de São 
Simão, em Goiás, que tinha cerca de 15 médicos para seus 17 mil 
habitantes, para viver com a família no interior do Pará, mesmo por um 
salário menor. “Quando escuto o CFM falando que os médicos estrangeiros 
podem não ter formação suficiente, fico indignado. Me dá a impressão de 
que eles não fazem ideia do que aprendemos por lá”.
Ah, mas os médicos iriam para estas comunidades se houvesse incentivo e se houvesse lá um mínimo de condições de atendimento.
Santa
 Maria das Barreiras tem uma Unidade Mista de Atendimento (local para 
atendimento básico com pequeno centro cirúrgico), mas como não tem 
médicos, além do Dr. Perini, ele tem de atender entre 40 e 50 pessoas 
por dia.
Mas por que não contratam médicos brasileiros?
Diz lá o site do Dráuzio Varela:
“O
 governo federal criou em 2011 o Programa de Valorização dos 
Profissionais da Atenção Básica (Provab), uma iniciativa para levar 
médicos recém-formados a regiões carentes oferecendo uma bolsa de R$8 
mil. O incentivo, porém, não foi suficiente. O último levantamento, 
feito com base nos dados de 2012, mostrou que 2.856 prefeituras 
solicitaram 13 mil médicos. Menos da metade, 1.291, foi atendida por 
pelo menos um profissional, já que apenas 4.392 médicos se inscreveram e
 3.800 assinaram contrato. O número equivale a 29% das vagas abertas.”
A
 verdade é que o custo de um curso de medicina no Brasil é algo tão 
proibitivo que representa, na prática, um “investimento” pelo qual se 
espera ser muito bem remunerado. Passar para o curso de medicina, numa 
universidade pública, é para poucos, a maioria – dos fora das cotas – 
vindos do melhor ensino privado.
Nas faculdades particulares, as mensalidades variam entre R$2,3 mil e R$6,8 mil. Em Manaus e São Luiz, cidades grandes pobres, pode custar R$6 mil estudar medicina, confira.
Quem pode pagar isso por seis anos, sem trabalhar? E mais os dois anos de residência, se desejar ser um especialista?
Quem
 investiu, entre mensalidades, transporte, livros e tempo, quase meio 
milhão de reais quer ir tratar de pobre? Há exceções, claro, vocações 
generosas.
Dos 13 mil médicos que o Brasil forma anualmente, quantos são estão dispostos a ir para esses lugares tão mal atendidos?
Será
 que supera o número dos filhos e filhas de médicos que vão seguir a 
tradição – e a clientela – dos pais? Não é ilegítimo, repito, mas é uma 
realidade visível a quem – como eu, infelizmente – é assíduo 
frequentador de consultórios médicos.
Se há médicos disposto a vir ocupar vagas que os médicos brasileiros não querem, qual é o erro?
Ah,
 mas são médicos sem qualidade, porque dos formados no exterior só 12% 
passaram no “Revalida”, prova de suficiência a que são obrigatoriamente 
submetidos.
Alguém pode dizer qual o grau de dificuldade destas provas? Alguém pode jurar que ele é adequado e não apenas restritivo?
Ou terá padrão “Doutor Zerbini”?
Precisamos
 de um “Doutor Zerbini” lá em Catitolé da Grota Funda ou de um médico 
que esteja lá, que cure precocemente o que é corriqueiro (mas que pode 
virar grave) e encaminhe os casos mais complexos a unidades de 
referência?
Tomo o depoimento do médico brasileiro Pedro Saraiva, que é nefrologista e trabalha em Portugal. Lá, 60 médicos cubanos prestaram exame e 44 foram aprovados (73,3%). Aqui, 11%.
E os brasileiros? Em São Paulo, o Conselho Regional de Medicina faz um exame de suficiência profissional
 para os formandos em Medicina. Opcional, onde só 15% dos jovens médicos
 se inscrevem, e claro que os que sabem que estão mal de conhecimentos 
nem participam. Mesmo assim, quase a metade (46,7%) ficou reprovada.
Agora,
 o exame será obrigatório. Mas apenas fazer o exame. Mesmo que tire 
zero, o médico formado aqui terá seu registro e todo o direito de 
exercer a profissão.
Mas aí pode, não é?
Sem
 hipocrisia, por favor, doutores. Porque se trata da saúde de milhões de
 brasileiros. Que precisam de saúde, que não se faz sem médico. E sem 
médicos como o Doutor Perini, lá de Santa Maria das Barreiras, no 
interior do Pará.
Ele diz muito bem:
“Como
 médico, posso afirmar que a vinda de profissionais estrangeiros pode 
‘ameaçar’ meu cargo, mas presenciando o dia a dia das pessoas que vivem 
em Santa Maria das Barreiras e não têm ninguém além de mim para 
socorrê-las, é um deslize se posicionar contra a vinda desses médicos. 
Erro é não ter ninguém para atender essa população”.
Diagnóstico preciso, doutor Perini.
 

 
 

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