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segunda-feira, 22 de julho de 2013

Como a mente de uma vovó japonesa é mais lúcida que a nossa

Posted: 21 Jul 2013 08:00 PM PDT

Observação importante: leia a tradução que fiz abaixo e, depois, assista ao vídeo de pouco menos de cinco minutos que segue logo após. Essa sequência é bem importante para a continuação do texto que segue.

Link Vimeo
Essa é uma terra de deus, então eu não posso simplesmente deixar a terra ir para o lixo.
Minha perna… ficou presa.
Eu tenho… oitenta anos. Espera. Quantos anos eu tenho mesmo? Oitenta e cinco!
Vamos ver. Eu cheguei aqui com vinte e três anos, então, já são sessenta anos… espera. Faz quanto tempo? Sessenta e três anos! Eu vivo aqui e faço isso por sessenta e três anos. Eu não penso muito nisso, mas não há nada de errado comigo. Aparentemente eu sou bem forte. Durante toda a minha vida, eu nunca fiz nenhuma cirurgia, nada de doença, eu nunca tive. Por isso eu nunca peço ajuda para os meus filhos. Eu faço tudo sozinha. Mas eu sei que fiquei velha e fiquei distraída com o meu trabalho. Eu fiquei um pouco dispersa, então eu tendo a apressar um pouco as coisas.
Mas eu ainda acordo às seis da manhã e faço uma porção de coisas lá no cultivo. Não me importa o que os outros falam, eu sigo em frente.
Se você se preocupa tanto, você não consegue seguir em frente. Então, não se preocupe com coisas pequenas. Até hoje eu só vivi com uma atitude relaxada. Eu continuo fazendo as coisas de acordo com as minhas crenças, é nisso que minha vida foi baseada. Pelo menos eu acredito que minhas convicções estão certas.
Oba-Chan, em japonês, significa avó (o que conhecemos mais, pelo menos aqui em São Paulo, é o termo “batchan”, que nada mais é do que “vovó”, uma maneira mais coloquial e carinhosa de falar). Esse pequeno documentário é o diretor Mackenzie Sheppard, um inglês que mudou para o Japão quando ainda era criança.
O que essa vovó nipônica tem de mais valioso a nos ensinar é como operar a vida de maneira relaxada. Reparem que, na tradução, eu usei exatamente essa palavra (“até hoje eu só vivi com uma atitude relaxada”). Eu poderia usar a palavra “descontraída”, como no post da Go Outside, lugar de onde retirei o vídeo. Mas é muito mais que isso.
É “relaxada” mesmo, eu quero ressaltar a importância de se deixar a vida (e a mente) levar de maneira relaxada. Em tudo. Há aqueles que questionarão: “ah, mas a vida dela é muito distante da minha realidade. Uma senhora de oitenta e tantos que cuida da sua horta no Japão, enquanto eu, um publicitário (ou engenheiro, ou advogado, ou atendente do McDonald’s) de vinte e cinco anos que mora em uma cidade gigante e tenho um trabalho que exerce extrema pressão e tenho que estudar também e pegar horas de trânsito todos os dias e tenho uma namorada que pega no meu pé o tempo todo, levo uma vida bem mais complicada para “relaxar”.
Mas aí é que tá.
É você que tem que operar relaxado. O tempo todo. Não é o trabalho. É você operando no trabalho. Não é o trânsito, mas você operando no trânsito. Não é seu relacionamento conturbado, mas como você direciona seu relacionamento.
Percebem a diferença?
O Gustavo Gitti provavelmente falaria sobre isso com muito mais propriedades e referências e afirmações contundentes do que eu, mas acho que o gancho está aqui. Vejam o vídeo novamente, percebam a trilha sonora, a cadência da velocidade das coisas no vídeo, os detalhes no preto e no branco, como caminha a maneira de estruturar pensamentos da vovozinha oldschool. Pegue esses elementos e coloque-os na sua vida, no seu cotidiano. Comece a pensar como você exerceria seu trabalho de forma mais relaxada e, ainda assim, bem feito (repito: não é o seu trabalho, mas você operando em seu trabalho).
Olha só o que o próprio Gitti explica no texto Uma mente distraída é uma mente infeliz:
Outra conclusão interessante: nossa felicidade ou sofrimento não tem quase nada a ver com o que estamos fazendo, mas como está nossa mente. Como já escrevi aqui, a qualidade de nossa experiência não é definida pelo que acontece, mas por como nosso corpo e nossa mente agem sobre o que nos acontece.
Ora, é sensacional a capacidade de se descolar da realidade imediata e projetar a mente para o passado ou para o futuro; o problema é o processo compulsivo pelo qual a mente sabota a si mesma, a ponto de perdermos o direcionamento de nossos pensamentos e emoções.
[...]
Dá para planejar, lembrar, imaginar e pensar sem se dispersar, com atenção plena e presença, sem perder contato com a respiração, com o corpo, assim como acontece de estarmos concentrados em algo presente e completamente dispersos, adormecidos, sendo levados por abas e abas que sugam nossa concentração e capturam a mente para longe de si mesma.
Na música, isso fica evidente: os grandes instrumentistas não são os mais concentrados na própria ação, mas aqueles que conseguem deixar a mente livre enquanto tocam, completamente presentes e até capazes de imaginar outra coisa ou focar os olhos no público durante um solo.
Ao contrário do senso comum, além de devaneio para passado ou futuro, dispersão pode significar mergulho cego no presente do mesmo modo que lucidez não significa parar os pensamentos (noção equivocada que muita gente atribui às práticas meditativas). A questão da liberdade se resume ao quanto somos comandados por elementos internos ou externos e ao quanto somos capazes de parar e seguir com autonomia.
oba-chan
Com isso, resta a afirmação: uma velha de oitenta e cinco anos, “enclausurada” em uma horta no Japão, é muito mais lúcida do que muitos de nós, jovens, que nos achamos no auge da vida.
Pensemos nisso.

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