O número de domicílios com carros no Brasil quase dobrou nas duas últimas décadas. Saltou de 23% para 40% do total de moradias, ou seja, de cada mil residências, 400 têm um ou mais veículos nas garagens, de acordo com estatísticas tabuladas pelo Estadão Dados com base no último Censo.
A reportagem é do jornal O Estado de S.Paulo, 14-07-2013.
Nos Estados Unidos, há um movimento oposto. No início dos anos 90, 5,7% dos lares não tinham automóveis, porcentual que subiu para 9,3% no ano passado e deve chegar a 10% este ano, segundo a consultoria americana CNW Marketing.
As deficiências no transporte público – que recentemente desencadearam uma onda de protestos em várias partes do País – e o próprio desejo do brasileiro de ter um carro tendem a manter o mercado automobilístico aquecido nos próximos anos. Mesmo com a falta de mobilidade nas grandes cidades e o alto custo para o consumidor para manter um veículo, as montadoras apostam em vendas de 5 milhões de unidades ao ano a partir de 2017.
No período em que o número de lares com carros cresceu 74% no País, as vendas de veículos novos quase quintuplicaram. Saíram de 712,7 mil unidades, em 1990, para 3,5 milhões, em 2010. Neste ano, devem atingir o recorde de quase 3,9 milhões de unidades.
"No Brasil, o carro ainda é um símbolo de status e a deficiência do transporte público é um fator que incentiva a compra", confirma a sócia da Prada Assessoria, Leticia Costa. O Brasil tem atualmente 5,5 habitantes por veículo, enquanto nos EUA essa paridade é de 1,6 e, na Europa, de 1,9. "Os EUA são o país com a maior penetração de veículos por habitante do mundo, com muito pouco espaço para crescimento, enquanto o Brasil ainda pode crescer", afirma Leticia.
As áreas rurais e cidades menores são as que mais devem ampliar o volume de carros em circulação, acrescenta o consultor sênior da A.T. Kearney, David Wong. Em metrópoles como São Paulo, a paridade habitantes/veículo já se aproxima dos índices americano e europeu.
Letícia ressalta que, nos países desenvolvidos, há hoje maior consciência ambiental, principalmente na Europa. Além disso, a qualidade do transporte público e o surgimento de alternativas de transporte (como o compartilhamento) fazem com que algumas pessoas prefiram não ter carros.
Nos EUA, há também outro fenômeno, lembra Wong. "Jovens de 18 a 35 anos estão menos dispostos a ter automóveis." O país é o segundo maior mercado mundial de veículos – cerca de 15 milhões de unidades ao ano –, atrás da China, que ocupa o topo desse ranking nos últimos cinco anos. A crise de 2008 também levou a uma postergação de compra nos EUA.
Wong concorda que, para o brasileiro, ter carro "é uma demonstração social, é uma questão de status", somado aos significativos problemas no transporte urbano. Na semana passada, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, pediu ao governo federal R$ 10,8 bilhões para expansão do metrô e construção de dois corredores de ônibus. O prefeito Fernando Haddad, por sua vez, solicitou R$ 6,5 bilhões para corredores de ônibus.
Inimigo
O presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores(Anfavea), Luiz Moan, acredita que o número de domicílios com carros deve dobrar nas próximas décadas no Brasil. Além de EUA e Europa, ele cita que a vizinha Argentina tem 3,7 habitantes por veículo.
Ele diz que o transporte coletivo "não é nosso inimigo, ao contrário, os associados da Anfavea também produzem ônibus e defendemos a integração entre as várias modalidade de transporte". O que não é correto, na visão do executivo, "é impedir as pessoas de ter carro". 
Em 1995, o País tinha 9,7 habitantes por veículo, paridade que está em 5,5, segundo o último estudo sobre a frota brasileira publicado pelo Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores (Sindipeças).
A frota atual em circulação no País é de cerca de 38 milhões de veículos, descontada a "taxa de mortalidade" – veículos que deixam de circular por vários motivos, como acidente com perda total e desmanche. Há 20 anos, a frota era de 15 milhões, incluindo caminhões e ônibus.
O brasileiro passou a ter mais acesso ao carro novo a partir das duas últimas décadas com a melhora da renda, queda no desemprego e expansão do crédito. Em 1990, o Produto Interno Bruto (PIB) per capita no Brasil era de US$ 5,3 mil. Em 2010, estava em US$ 11,2 mil. Em igual período, a população aumentou de 147,6 milhões para 190,7 milhões, segundo o Censo.