LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA
A banalidade do mal
Está passando em São Paulo o extraordinário filme de Margareth von Trotta, "Hannah Arendt", que relata um momento crucial na vida da notável filósofa: a decisão de presenciar o julgamento de Adolf Eichmann em Israel, em 1960, e escrever uma série de artigos para a "New Yorker", que viraram depois o livro "Eichmann em Jerusalém".
Em vez de simplesmente retratar Eichmann como o gênio do mal, como esperavam seus leitores, em vez de descrevê-lo como um homem violento e racista, ela o descreveu como um medíocre burocrata que cumpria ordens, um homem normal sem capacidade de avaliar o mal que praticava.
E faz então uma descoberta fundamental: identificou a banalidade do mal, o fato de que ele só se torna imenso quando se torna banal e, por isso, compartilhado por muitos.
Diante dessa descoberta, eu me pergunto: como essa banalidade do mal se manifesta hoje? Arendt chegou a esse conceito diante de um genocídio de dimensões gigantescas, e do julgamento de um dos seus atores. Mas o mal não se limita a esses momentos extremos.
Como definir o mal? Como se manifestou o mal neste início do século 21? E será que muitos reagiram de forma banal aos episódios de mal que vivenciaram?
O mal é um conceito filosófico que não tenho competência para definir, mas arrisco a definição sugerida por Arendt no filme. O mal é a violência contra o ser humano e, portanto, contra a humanidade.
A partir dessa definição, saliento três manifestações maiores do mal neste início de século: o terrorismo islâmico contra inocentes, a Guerra do Iraque, e a guerra civil "pela democracia" na Síria. Nos três casos, vimos ou estamos vendo uma violência imensa contra seres humanos inocentes.
Não há nada que justifique as mortes causadas pelo terrorismo islâmico, assim como pela Guerra do Iraque, e pela guerra na Síria, apoiada pela Arábia Saudita e por potências ocidentais. Nos três casos, vemos a banalidade do mal.
Para o islamismo radical que quer instaurar o califado no mundo árabe, nada mais banal do que os ataques terroristas, inclusive os ataques suicidas, nos quais a violência é também autoviolência.
Para os dirigentes políticos que decidiram a Guerra do Iraque, mataram dezenas de milhares de pessoas e instauraram a desordem no país, também nada mais banal. Afinal, isso já foi feito antes em nome da "civilização ocidental".
Também é banal para os "rebeldes" sírios e para os que os apoiam a morte de mais de 100 mil pessoas para ali instalar uma "democracia" --uma curiosa democracia, já que hoje os grupos islâmicos sunitas tornaram-se dominantes entre os rebeldes que buscam derrubar um governante autoritário que há muito garante a ordem em um país atrasado.
O mal está, portanto, entre nós. Está nesses episódios, está nos crimes associados às drogas, está na violência e no desrespeito contra os pobres. Mas é difícil para nós nos indignarmos, porque esse mal é banal. Só quando ele deixa de sê-lo, e a sociedade se torna indignada, pode ele ser combatido e, em alguns casos, vencido.