O Minhocão e seus 3.4 quilômetros de vergonha: retrato horroroso, porém justo da São Paulo no início do século 21. foto: Flickr/Fernando Stankuns
O elevado Costa e Silva, também conhecido pelo singelo epíteto de Minhocão, deveria ser encarado por todo mundo que vive em São Paulo como uma espinha de peixe urbana entalada em nossa garganta, uma espécie de brontossauro fedorendo instalado em nossa sala de jantar e que de lá merece ser arrancado a todo custo. Mas não é isso que ocorre. Porque São Paulo cresceu sem os princípios básicos do urbanismo e a essência do desenvolvimento brasileiro é o “vai do jeito que dá”, o paulistano está eternamente condicionado a se acostumar.
Nossos prédios são horrorosos e compõem um genocídio visual se vistos de perto ou de longe, mas a vida é assim mesmo e o importante é achar um apê razoável pra morar. Nossos muitos rios são todos poluídos e a maioria está canalizada, mas dane-se, que canalizem logo o Tietê e o Pinheiros e os transformem em mais vias pra eu passar com o meu carro. O Minhocão é uma aberração urbanística responsável pela decadência acentuada do centro da cidade, mas o que importa é que ele desafoga o trânsito.
Viver não pode ser assim, e talvez esse seja a grande razão pra eu nunca ter me acostumado com São Paulo em 12 anos vivendo aqui (não que seja muito melhor em várias outras cidades brasileiras).
Uma pesquisa Estadão/Ibope sobre sugestões populares de melhorias em São Paulo aponta a transformação do Minhocão em parque elevado como uma das melhores avaliadas. Na verdade, qualquer solução para o elevado que não seja a demolição é ruim. A ideia de um parque suspenso é boa para você e para mim, mas não resolve o problema de quem tem a janela de casa a 10 metros do elevado. E também não deixa de ser mais um paliativo numa cidade que cresceu a custa deles.
Minha sugestão é cara e complexa: desapropriar toda a área entre a São João e a rua das Palmeiras, e entre a Amaral Gurgel e a Rêgo Freitas. Por desapropriar entenda indenizar e dar a oportunidade de quem vive e tem comércio ali de se instalar nos entornos, República e Sé, o que inclusive ajudaria a trazer as pessoas de volta para a região, que tem grande número de prédios abandonados ou fechados.
Nesta enorme faixa urbana seria possível substituir as faixas do Minhocão por novas faixas na própria São João. Mais que isso: haveria espaço para um corredor de ônibus, uma ciclovia que ligaria o centro a Barra Funda. E o melhor de tudo: uma faixa verde horizontal na região, como o Parque Central de Havana ou a Avenida Unter den Linden, em Berlim.
O preço para uma operação dessas ficaria na casa dos bilhões e não seria feita em menos de dez anos, talvez vinte. Mas uma intervenção deste tamanho poderia marcar a retomada do centro de São Paulo como referência na cidade. Mais que isso, sinalizaria uma guinada urbanística, um norte em revitalização urbana. O Brasil tende a ser destaque na economia mundial pelas próximas décadas, não é possível que sua maior cidade não tenha planos agressivos de revitalização.
Em 2010, o prefeito Gilberto Kassab anunciou que o elevado Costa e Silva será demolido. O anúncio caiu em descrédito já no dia seguinte, uma vez que ele não apresentou um plano concreto sobre como fazê-lo, o que (ele omitiu essa parte) poderia ter início somente em 2026, com tudo ocorrendo bem (e de lá pra cá nada andou). No fundo, o Minhocão mostra o contra-senso do habitante de São Paulo mediano: acha lindo que pensem em demolí-lo, mas no fundo não está nem um pouco preocupado se isso vai ocorrer de verdade ou não.